Encélado, a sexta maior “lua” de Saturno, e Europa, a menor das quatro luas de Galileu de Júpiter, são os dois mais promissores candidatos do Sistema Solar a suportar o surgimento da vida (ao menos como a conhecemos, baseada em carbono) em seus supostos oceanos gelados, abaixo de suas grossas camadas de gelo.
Como o Monólito deixou claro que Europa está fora dos limites, a missão Cassini-Huygens coletou uma quantidade absurda de dados de Encélado entre 2004 e 2017, tanto que muita coisa ainda aguarda na fila para ser analisado; como consequência, os estudos vão saindo a conta-gotas.

Pistas encontradas em gelo ejetado por Encélado PODEM indicar que satélite suporta a manutenção da vida… ou não (Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute)
Em 2023, um time de pesquisadores de diversas instituições anunciou a descoberta de fósforo em Encélado, um dos seis elementos básicos e o mais raro, sendo que os demais, carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e enxofre, já haviam sido identificados.
Agora um novo estudo, também baseado nos dados da sonda Cassini, adiciona compostos complexos à mistura, mas tanto lá quanto cá vale a regra, nada disso significa que existe vida no satélite gelado de Saturno. Pelo menos, ainda não.
Encélado pode (ou não) ter vida
Encélado é um satélite bem mais amigável a observação do que Europa, graças à sua intensa atividade geológica abaixo de sua capa de gelo, o suficiente para forçar a ejeção de enormes plumas (colunas) de água, concentradas na região dos polos, que podem chegar a até 10 mil km de extensão, quase 20 vezes o diâmetro do próprio satélite (504 km), e mais ou menos a distância entre São Paulo e a cidade de Colônia, na Alemanha.
A abundância de ocorrências das plumas permite aos cientistas saberem o que existe abaixo de todo o gelo que cobre Encélado, mas geralmente os dados vinham de depósitos contidos no anel E de Saturno, o segundo mais externo e bem difuso, formado por poeira e gelo. Foi ele, por exemplo, que forneceu a informação de que existe fósforo, um dos componentes principais do DNA, na forma de fosfatos, no interior do satélite.
A descoberta atual, relatada no artigo (cuidado, PDF) publicado na Nature Astronomy, por sua vez, se valeu de um golpe de sorte da sonda Cassini: em 2008, ela conseguiu analisar amostras “fresquinhas”, recém-ejetadas de um crio vulcão; elas já haviam sido analisadas antes, mas a nova pesquisa conseguiu identificar outros elementos que haviam passado batido.


Flagra da sonda Cassini mostra gêiseres de Encélado lançando jatos de água e gelo no espaço (Crédito: JPL/NASA)
Desta vez, os cientistas conseguiram identificar elementos como arila, um radical orgânico derivado de um anel aromático, como o fenil para o benzeno, e outros compostos de nitrogênio e oxigênio, alcenos (hidrocarbonetos com ligação dupla, C=C), ésteres (usados pela indústria como flavorizantes), e outros componentes.
A pesquisa indica que, por virem de amostras recém-ejetadas, todos eles foram formados no oceano enterrado sob o gelo de Encélado; segundo o Dr. Nozair Khawaja, do Instituto de Ciências Planetárias da Universidade Livre de Berlim, e um dos autores do estudo, tais elementos seriam “intermediários” em processos químicos ainda mais complexos, viabilizados pela atividade vulcânica submersa, para um processo “biologicamente relevante”.
Experimentos realizados no passado extremamente simples, como o Miller-Urey, provaram em um espaço de meras horas que os tijolos para a base da vida se formam de forma aleatória, desde que os elementos necessários encontrem condições apropriadas para se combinarem em outros; descambar para uma molécula autorreplicante, como o DNA, é uma questão de tempo (na escala cósmica).
Ao mesmo tempo, o novo estudo NÃO encontrou vida em Encélado, apenas demostrou, mais uma vez, que mesmo um oceano enterrado embaixo de quilômetros de gelo, sem acesso à luz solar, pode ser um ambiente que tenha os ingredientes e condições necessárias para alguma coisa se desenvolver lá.
O que a maioria dos cientistas acredita, é que o calor geotérmico de Encélado não é suficiente para sustentar vida complexa, no máximo encontraríamos microorganismos extremamente simples, com sorte, alguns micróbios; é necessário forçar MUITO a barra para aventar a ideia de seres multicelulares nadando por lá, mas se fosse o caso, eles seriam só um punhado de criaturinhas pequenas, e predadoras famintas.
Independente disso, ainda existem muitos dados da Cassini a serem devidamente estudados e analisados, mesmo o atual estudo foi uma revisão de coisas já vistas, e ainda assim forneceu novas descobertas.
Assim, é quase certo que Encélado continuará a fornecer mais informações interessantes, enquanto NASA e ESA se preparam para missões futuras como a Orbilander, que se tudo correr bem, deverá ser lançada em 2038.
Referências bibliográficas
KHAWAJA, N., POSTBERG, F., O’SULLIVAN, T. R. et al. Detection of organic compounds in freshly ejected ice grains from Enceladus’s ocean. Nature Astronomy (2025), 17 páginas, 1.º de outubro de 2025.
DOI: 10.1038/s41550-025-02655-y
Fonte: WIRED
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