Em uma de suas esquetes mais populares, o comediante George Carlin (1937–2008) disse que, dado o devido tempo, a Terra incorporaria o plástico em si, e que precisava dos humanos para criá-lo, já que não podia criá-lo sozinha. O que soou como piada não estava tão longe da verdade, dada a enorme quantidade de polímeros produzidos todos os anos, e o fato de levar séculos para se decompor.
Anos atrás, um estudo mostrou que a reciclagem não é capaz de impedir o acúmulo de micro e nanoplásticos no ambiente, que vão parar no solo e na água, e consequentemente voltam para nós nas mais diversas formas; de fato, nosso organismo já possui uma quantidade considerável de plástico, detectado no sangue, cérebro, pulmões, e outros órgãos e fluidos.

Micro e nanoplásticos contaminam a água e vão parar em tudo o que consumimos, e não há o que fazer (Crédito: Alexander Stein/Ullstein Bild/Getty Images)
E no cardápio, plástico
O estudo de 2023, conduzido por pesquisadores da Universidade de Strathclyde em Glasgow, Escócia, revelou que centros de reciclagem não equipados com filtros adequados, despejam uma abundância de partículas de plástico no sistema de fornecimento de água, uma média de 3 mil toneladas por ano; com os filtros, o número cai para ~1,4 mil t/ano.
A água usada por centros de reciclagem com filtros instalados, para a lavagem da matéria-prima que será reutilizada, acaba com uma proporção de 75 milhões de partículas por litro, o que invariavelmente vai parar no sistema de distribuição. Os fragmentos maiores, com até 50 mícrons de comprimento (0,00005 m, ou 0,05 mm) são barrados, mas os menores, que ainda são muitos, passam tranquilamente.
Estamos falando de fragmentos de plástico que podem ser realmente pequenos, abaixo de 1,6 mícron (0,0016 mm), o menor detectável pelo estudo de 2023. Estudos já mostraram que 75% da produção comercial de peixes, e 90% dos moluscos e outras espécies de rios, estão contaminados com micro e nanoplásticos, logo, quais são as chances de que o mesmo não está acontecendo conosco?
Resposta: zero chances. Aqui vai uma listinha de estudos sobre a detecção de microplásticos e nanoplásticos (MNPs) em humanos:
- 2021: todas as amostras de placentas analisadas continham MNPs que, segundo o estudo, não passam para o feto, algo contestado por outra pesquisa, que demonstrou que embriões, fetos, e elementos como o líquido amniótico, também podem ser contaminados;
- 2024: evidências de acúmulo de MNPs em órgãos e tecidos humanos, afetando os sistemas cardiovascular, digestório, endócrino, tegumentar (pele e glândulas ligadas e ela, pelos e unhas), linfático, respiratório, reprodutivo, e urinário;
- 2025: detectado o acúmulo de MNPs no cérebro;
- 2025: MNPs detectados no sêmen e no fluido folicular, que compõe a membrana que envolve o óvulo.


Nós humanos estamos aos poucos virando o Plastic Man (Homem-Borracha é coisa da localização brasileira), e não de uma forma legal (Crédito: DC Comics/Warner Bros.)
A presença de micro e nanoplásticos no organismo pode desencadear os mais diversos efeitos adversos, como inflamações dos órgãos, aumento do risco de doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, problemas neurológicos, distúrbios hormonais, redução da fertilidade, abortos espontâneos, problemas de desenvolvimento fetal, e aumento nas probabilidades de casos de câncer. No fim, tudo sempre leva ao câncer.
O estudo da vez, realizado por pesquisadores de diversas instituições, com apoio da FAPESP, revelou mais uma complicação causada pela presença de plástico no nosso organismo: osteoporose, uma doença normalmente associada ao envelhecimento, e caracterizada pela perda de massa óssea, que deixa os ossos extremamente frágeis.
Publicado no periódico Osteoporosis International, os pesquisadores revisaram 62 artigos científicos diferentes, e constatou que MNPs vêm afetando a saúde dos ossos de várias formas: por exemplo, eles comprometem o adequado funcionamento das células-tronco da medula óssea, ao favorecer o aparecimento de osteoclastos, grandes células multinucleadas responsáveis pela reabsorção óssea.
Em condições normais, os osteoclastos são peças integrais do processo de renovação dos ossos, ao dissolverem estruturas antigas e permitirem a formação de novas, mas os MNPs no organismo desencadeiam outros efeitos, como redução da viabilidade celular, aceleração do envelhecimento das células, alteração na diferenciação celular, e processos inflamatórios. No meio disso tudo, os osteoclastos acabam destruindo tecidos mais rápido do que o organismo consegue repô-los, levando a um quadro de enfraquecimento dos ossos.
Segundo o prof. Dr. Rodrigo Bueno de Oliveira, coordenador do Laboratório para o Estudo Mineral e Ósseo em Nefrologia (Lemon) na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), e um dos co-autores do estudo, o impacto dos MNPs nos osteoclastos, conforme observações em animais, podem levar à má-formação da microestrutura celular, ocasionando deformidades e fraturas patológicas, quando um osso enfraquecido por uma doença, como a osteoporose, quebra.
O Dr. Oliveira alerta que, embora os efeitos da presença de micro e nanopartículas de plástico nos ossos ainda não seja 100% compreendido, os dados sugerem a correlação a tal nível que ela não pode ser ignorada. O próximo passo é determinar a influência de MNPs no agravamento de doenças metabólicas, e determinar o quão séria é a situação geral.
Enquanto isso, cientistas voltam a bater na tecla que reciclar ou tratar plásticos pode não levar a lugar nenhum, e que a alternativa viável, e também a mais traumática, interromper a produção global de plásticos, continuará enfrentando a resistência da indústria e de profissionais da área.
Referências bibliográficas
PELEPENKO, L. E., DE OLIVEIRA, M. C., MASARO, D. A. et al. Effects of microplastics on the bones: a comprehensive review. Osteoporosis International, Volume 36, 19 páginas, 24 de junho de 2025.
DOI: 10.1007/s00198-025-07580-4
Fonte: Agência FAPESP
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