Evolução não é obra do acaso, já explicamos no passado. A Seleção Natural atua para que mutações aleatórias vantajosas sejam passadas adiante, através da perpetuação bem sucedida das espécies favorecidas. Mesmo nós não estamos imunes a isso, e uma nova pesquisa está causando polêmica ao levantar que o chumbo pode ter desempenhado um papel crucial na nossa trajetória na Terra.
Cientistas analisaram amostras de fósseis de diversos hominídeos, e constataram que uma mutação em um gene arcaico conferiu ao nosso cérebro um certo nível de proteção, enquanto os neandertais podem ter sido extintos devido a um lento envenenamento por chumbo.

Interação com o chumbo pode ter sido fundamental na evolução de nossos cérebros, mesmo sendo tóxico; neandertais não tiveram a mesma “sorte” (Crédito: Cinema International Corporation/AMLF/Disney)
Chumbo foi “agente” da Seleção Natural
O artigo em questão (cuidado, PDF), publicado na Science Advances, é o resultado de um estudo detalhado de uma equipe de pesquisadores internacionais (tem até uma brasileira), liderada pelo prof. Dr. Renaud Joannes-Boyau, chefe do Grupo de Pesquisa de Geoarqueologia e Arqueometria (GARG) da Southern Cross University (nada a ver com a universidade brasileira de mesmo nome), na Austrália.
Eles fizeram uma análise via laser de 51 dentes fossilizados de hominídeos diferentes, que incluem o Homo sapiens, o H. neanderthalensis, outras espécies antigas do gênero Homo, o Australopithecus africanus, o Paranthropus robustus (outra espécie de australopiteco), e o Gigantopithecus blacki, um grande primata similar ao gorila moderno, mas mais próximo geneticamente do orangotango.
O que os cientistas encontraram foram “faixas” de chumbo na parte interna dos dentes, incrustados durante a formação da dentina e do esmalte externo, durante a formação definitiva da dentição na infância dos espécimes, demonstrando que os grandes primatas, humanos inclusos, estão expostos à contaminação pelo metal a pelo menos 2 milhões de anos, ou seja, durante toda a história de nossa espécie, bem como na de nossos “primos” hoje extintos.
As fontes eram o próprio ambiente, o chumbo podia ser encontrado no solo e na água corrente de cavernas, devido à atividade vulcânica, e até mesmo ser liberado por seus próprios ossos, durante períodos de estresse ou doença. A longa exposição significa que nosso cérebro, essa gambiarra evolutiva que faz até outsourcing, evoluiu em um ambiente contaminado por um dos elementos mais tóxicos conhecidos pelo Homem.
A grande pergunta é “como conseguimos chegar aqui, então?” A longa exposição ao chumbo pode causar uma série de problemas e doenças graves, e estamos falando de todo o período que compreende nossa estada na Terra; entra em cena um gene arcaico chamado NOVA1, já conhecido de outra pesquisa, por seu papel nas diferenças plásticas entre o nosso cérebro e dos neandertais.


Comparação entre o crânio de um H. sapiens sapiens e de um H. sapiens neanderthalensis (Crédito: Wikimedia Commons)
O que se sabe: o NOVA1 presente no nosso cérebro é diferente, por apenas um par de bases do DNA, do expressado nos miolos dos neandertais, nossos neurônios trabalham em um ritmo mais lento, mas mais eficiente, enquanto os de nossos parentes próximos tinham um índice maior de apoptose (morte celular programada), mas uma atividade eletrofisiológica (transmissão de impulsos) mais complexa.
Basicamente, o cérebro neandertal operava em “overclock” para fazer o mesmo que o nosso, o que alguns especulam que o tamanho maior era uma consequência disso, ele precisava de mais massa (e consequentemente mais energia) para operar no mesmo ritmo que nós.
Isso posto, a equipe do prof. Joannes-Boyau resolveu testar se o NOVA1 também poderia influenciar de alguma forma em um ambiente com chumbo para todo lado, usando o mesmo método da outra pesquisa: cultivar células-tronco e estimulá-las para formarem organoides cerebrais divididos em dois tipos, um com o gene neandertal, e outro com a versão moderna.
Quando os organoides foram expostos ao chumbo, os com o gene neandertal exibiram interrupções significativas do gene FOXP2 no tálamo e no córtex, essencial para a formação da fala e da linguagem, enquanto o mesmo ocorreu em um grau muito menos intenso nas amostras com o NOVA1 presente no nosso cérebro.
O que isso significa? Com o chumbo agindo como um “agente” da Seleção Natural, o gene FOXP2, que não tem diferença entre o presente em humanos e em neandertais, era melhor regulado pelo nosso NOVA1 em comparação ao dos nossos “primos”, de forma que é possível que eles não tenham sido capazes de traduzir pensamento abstrato (que eles tinham) em uma linguagem como nós.
Já as habilidades de comunicação do H. sapiens, selecionadas em um ambiente tóxico, mas muito mais letal para nossos pares, e devidamente protegidas pelo nosso NOVA1 superior, nos permitiram florescer como grupos coordenados, com melhores habilidades de sobrevivência que, por fim, selaram o destino dos neandertais e de outros hominídeos competidores contemporâneos.


Seria o monólito apenas uma placa de chumbo? (Crédito: Reprodução/Stanley Kubrick Productions/MGM/Amazon)
O estudo nos lembra o quão importante são as relações íntimas entre o Meio Ambiente e nossos genes, um exemplo de “pressão ambiental” que forçou a Evolução das espécies mais aptas, no caso a nossa, capaz de resistir a um longo envenenamento por chumbo por centenas de milhares de anos, o suficiente para desenvolver a linguagem e se organizar como uma sociedade.
Lembre-se, tudo o que foi preciso foi uma mudança aleatória em um gene em nosso cérebro, responsável pela diferença entre alcançar uma espécie capaz de combater o câncer e ir ao Espaço, e outra que hoje é apenas uma lembrança em museus e tema de estudos de cientistas, sobre como eles foram extintos.
Referências bibliográficas
JOANNES-BOYAU, R., DE SOUZA, J. S., ARORA, M. et al. Impact of intermittent lead exposure on hominid brain evolution. Science Advances, Volume 11, Edição 42, 21 páginas, 15 de outubro de 2025.
Fonte: Popular Science
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