Presa na terça-feira (29) pela polícia da Itália, nos arredores de Roma, o destino da deputada federal brasileira Carla Zambelli (PL-SP) dependerá muito mais de uma decisão política do que de critérios técnicos e jurídicos, segundo avaliação de especialistas. O futuro dela no país pode ter influência decisiva do governo local, e em especial da primeira-ministra Giorgia Meloni, que é de direita e pode se sensibilizar com a alegação da defesa da parlamentar de que ela sofre perseguição política no Brasil.
O advogado de Zambelli, Fabio Pagnozzi, disse que deverá solicitar asilo político ao governo da Itália. A deputada brasileira está sob custódia em uma delegacia no país europeu, enquanto aguarda os próximos desdobramentos do processo. Para analistas, apesar da condição da parlamentar ser considerada complexa, o asilo não é impossível e pode ser um contexto justificável.
“O posicionamento do Executivo e da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, pode ter peso relevante na decisão, o que torna a hipótese de concessão do asilo uma possibilidade real a ser considerada”, afirma o advogado Matheus Herren Falivene, especialista em Direito Penal.
Quando o Brasil pede a extradição de alguém que está na Itália, ou vice-versa, isso ocorre com base em um tratado assinado entre os dois países. Primeiro, a Justiça do país que quer a extradição, neste caso, o Brasil, julga e condena a pessoa. Carla Zambelli foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de reclusão.
Depois, o governo brasileiro envia o pedido oficialmente, passando pelos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, que repassam a solicitação ao governo italiano por meio diplomático. Esse pedido foi feito ainda em junho deste ano quando o nome da deputada foi para a lista de difusão vermelha da Interpol por ser, segundo o STF, foragida da justiça.
Na Itália, o Ministério da Justiça analisará o caso e deve encaminhá-lo a um tribunal competente. “Esse tribunal avalia se o pedido é válido, de acordo com as leis italianas, mas a decisão final sobre extraditar ou não cabe ao governo italiano, que pode aceitar ou recusar com base em motivos legais ou políticos. A primeira-ministra Giorgia Meloni pode ter papel decisivo”, alerta o doutor em Direito Penal Márcio Nunes.
Se a Itália conceder asilo político à deputada Carla Zambelli, ela pode ser colocada em liberdade, pois passa a ser reconhecida como vítima de perseguição política e não pode mais ser extraditada. “O asilo garante proteção legal e direito de residência no país. A única exceção seria se essa pessoa também respondesse por outros crimes na Itália, caso em que poderia continuar presa por esses motivos, mas não por causa da extradição”, explica.
Se a Itália autorizar a extradição, Zambelli deve permanecer presa enquanto o procedimento não for concluído, especialmente se houver risco de fuga. Segundo analistas, após a autorização de extradição, os dois países combinam a data, o local e os detalhes da entrega da extraditada. Assim que tudo estiver acertado, agentes brasileiros viajam até a Itália para escoltar o extraditado de volta ao Brasil, onde ele começará ou continuará a cumprir sua pena. Todo esse processo pode levar meses ou anos, segundo especialistas na área.
PL pede à Itália que negue extradição e conceda asilo político a Zambelli
A liderança do Partido Liberal (PL) na Câmara dos Deputados enviou um ofício formal à primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, solicitando que o governo italiano negue eventual pedido de extradição e conceda asilo político à deputada Carla Zambelli. Na carta, o PL reforça que a parlamentar se apresentou voluntariamente à polícia italiana em Roma no dia 29 de julho, conforme comunicado assinado pelo deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL.
Segundo o documento, Zambelli estaria sendo alvo de perseguição política por parte do governo brasileiro e do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que a teria condenado sem garantir o devido processo legal. O texto compara o caso ao do jornalista Oswaldo Eustáquio Filho, cuja extradição foi negada pela justiça espanhola por se tratar, segundo decisão da corte, de motivação política. A carta defende que os direitos da deputada foram violados e apela ao governo italiano para que acolha o pedido de refúgio.
Defesa deve argumentar que processo foi politicamente motivado
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, em tese, Zambelli preenche os requisitos para ser extraditada pela Itália, já que existe um tratado e os crimes pelos quais foi condenada no Brasil também são tipificados como ilícitos na legislação penal italiana.
No entanto, segundo Marsiglia, a principal linha de argumentação da defesa deve ser a tentativa de caracterizar o processo todo contra ela como politicamente motivado. “O que pode servir como ponto de fuga à extradição é justamente o argumento de que ela estaria sendo perseguida politicamente. E não apenas pela natureza da acusação, mas pela condução do processo como um todo contra ela”, afirmou o jurista.
Ele aponta que o pedido de asilo político pode se basear ainda na alegação de que Zambelli sofreu restrições incompatíveis com o tratamento legal de um réu comum. “A defesa pode sustentar que medidas cautelares impostas — como a suspensão de suas redes sociais e outras restrições — teriam um viés político, o que comprometeria a isenção do julgamento”.
Ainda assim, o constitucionalista pondera que a alegação de perseguição política precisa ser muito bem fundamentada, especialmente diante do fato de que Zambelli foi julgada no STF e em um país reconhecido internacionalmente como uma democracia.
Embora os crimes pelos quais Zambelli foi condenada no Brasil, a princípio, não são classificados como políticos, Falivene observa que ainda pode haver margem para essa interpretação na defesa da deputada.
O advogado destaca que Zambelli pode tentar recorrer ao artigo 10 da Constituição italiana, que trata da concessão de asilo a estrangeiros cujos direitos fundamentais não estejam sendo respeitados em seu país de origem.
“Apesar de ela não ser tecnicamente estrangeira, por ter cidadania italiana, é possível que sua defesa tente interpretar o artigo de forma a justificar o pedido de asilo político”, afirmou. Aqui se manifesta fortemente, segundo ele, a decisão do Poder Executivo italiano e, em última instância, da primeira-ministra Giorgia Meloni.
“São dois pontos — a legalidade da extradição e a possibilidade do asilo — devem nortear o caso nos próximos dias. Ainda não está claro qual será a linha adotada pela defesa, mas certamente esses temas vão dominar o debate jurídico e político na Itália”, reforça Falivene.
Para os analistas, mesmo que seja concedido o asilo político, a condição de Carla Zambelli é instável e pode mudar em meses ou anos, com uma alteração no governo na Itália ou por intensificação de pressões políticas. “O fator político também tende a pesar pela condução de parlamentares de oposição e a pressão popular sobre o caso”, avalia o cientista político Marcelo Almeida, especialista em segurança pública.
Almeida destaca que a manifestação popular pode fazer eco às decisões políticas. “E isso pode variar de acordo com a aprovação ou desaprovação popular do governo sobre o caso”.
Se não houver asilo à Carla Zambelli, extradição pode levar anos
Os especialistas analisam ainda que, no caso de uma negativa ao asilo político e confirmação da extradição, o processo é lento, burocrático e complexo e pode levar meses ou até anos. “Não é de hoje para amanhã. Se acontecer a extradição, há um longo caminho a ser percorrido e o componente político também deve pesar muito, o que pode prorrogar ainda mais o processo”, destaca Márcio Nunes.
Apesar de haver tratados de extradição entre os dois países, isso pode levar a um imbróglio jurídico e diplomático, tendo em vista o que foi o caso do italiano Cesare Battisti. Ele não foi extradito pelo Brasil por uma decisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda no ano de 2010.
Condenado na Itália à prisão perpétua por quatro assassinatos nos anos 1970, Battisti fugiu para o Brasil em 2004, onde foi preso em 2007. Em 2009, o STF autorizou a extradição, mas deixou a decisão final a Lula, que, no último dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 2010, negou o pedido com base no Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980), alegando risco à integridade de Battisti. O italiano acabou fugindo do Brasil, foi preso na Bolívia anos depois e só foi extraditado para a Itália em 2019, após decisão do então presidente Michel Temer (MDB).
Depois foi a vez da Itália travar a extradição do brasileiro Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, condenado na Lava Jato. O Brasil solicitou a extradição em outubro de 2014 e a Corte de Apelação de Bolonha negou dizendo que havia más condições dos presídios brasileiros, a saúde fragilizada dele e a cidadania italiana, permitindo que ele aguardasse em liberdade na Itália. O governo brasileiro recorreu, e, em fevereiro de 2015, a Corte de Cassação de Roma autorizou a extradição, decisão confirmada pelo Conselho de Estado italiano. Pizzolato foi extraditado ao Brasil em outubro de 2015.
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Crimes pelos quais STF condenou Zambelli no Brasil também estão tipificados na Itália
Segundo analistas, um ponto que deve ser analisado pelas autoridades jurídicas italianas será na natureza dos crimes pelos quais Carla Zambelli foi condenada no Brasil — invasão de dispositivo informático do sistema de Conselho Nacional de Justiça (CNJ), falsidade ideológica e inserção de documento falso no sistema de informação.
Segundo Falivene, trata-se da chamada dupla tipicidade — princípio segundo o qual a extradição só é possível se os atos praticados forem considerados crimes tanto no país que solicita quanto no país que pode conceder a extradição. “Deve-se discutir, por exemplo, se o crime de violação de dispositivo informático existe na legislação penal italiana com tipificação semelhante”, reforça.
O advogado Gilberto Melo, mestre em Direito, afirma que, a depender da análise fria das legislações dos países, os crimes pelos quais Zambelli foi condenada no Brasil encontram correspondência direta na legislação penal italiana, o que poderia fortalecer o pedido de extradição, caso não ocorra uma intervenção política na Itália que resulte em seu asilo.
“O Código Penal Italiano tipifica como crime o acesso abusivo a sistemas informáticos, com penas que podem chegar a 12 anos de prisão, mais severas do que as previstas no Brasil”, explica.
Além disso, outros dispositivos da legislação penal italiana tratam de crimes cibernéticos com o objetivo de coibir o acesso indevido a sistemas e a obtenção de vantagens ilícitas. As punições incluem, além das prisões, multas que podem ultrapassar os 10 mil euros. Para Melo, a legislação italiana trata esses crimes com gravidade, o que pode pesar na análise jurídica do pedido de extradição. Porém, ainda que os crimes estejam tipificados na Itália, Zambelli não poderá ser julgada novamente no país europeu.
“Há três fundamentos claros para isso: primeiro, a Itália não tem jurisdição sobre um crime praticado integralmente no Brasil e contra uma instituição brasileira. Segundo, impede-se o duplo julgamento pelo mesmo fato. Terceiro, o Brasil exerceu sua jurisdição com, em tese, respeito ao devido processo legal”, descreve o advogado.
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