Mensagens inéditas obtidas no âmbito da Vaza Toga mostram que integrantes do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, no Supremo Tribunal Federal (STF), articularam em outubro de 2022 um plano para bloquear a plataforma Gettr no Brasil quando o magistrado também presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A rede social, criada pelo empresário Jason Miller, ex-assessor de Donald Trump, era usada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e por críticos do Judiciário.
De acordo com uma apuração publicada nesta terça (26) pela Revista Oeste, as conversas revelam um pedido do juiz Airton Vieira, assessor direto de Moraes no STF, a Eduardo Tagliaferro, então chefe da Unidade de Combate à Desinformação do TSE, solicitando providências para retirar a Gettr do ar.
A Gazeta do Povo procurou o STF para se pronunciar sobre o pedido apontado na apuração e aguarda retorno. Quando a Vaza Toga veio à tona, em agosto do ano passado, o gabinete de Moraes afirmou que, no âmbito dos inquéritos das milícias digitais e das fake news, foram feitos pedidos de apuração a “inúmeros órgãos”, entre eles o TSE que, diz, tem “poder de polícia, competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às instituições”.
“Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República”, seguiu na resposta.
A apuração da revista Oeste, desta terça, mostra que as mensagens foram trocadas privadamente entre os assessores de Moraes pelo WhatsApp, sem dar abertura ao contraditório e à ampla defesa dos envolvidos.
Vieira pediu a Tagliaferro um relatório sobre a Gettr no dia 3 de outubro de 2022, dois dias depois do primeiro turno das eleições. No entanto, ele confundiu uma postagem de Allan dos Santos no X com uma publicação feita na plataforma, o que foi corrigido por Tagliaferro logo depois.
“Então, veja, por favor, como bloquear o Gettr. Obrigado”, disse Vieira em uma das mensagens.
Tagliaferro respondeu logo em seguida afirmando que “nele, tem muita gente se escondendo porque não há impunidade”.
Segundo as mensagens, a estratégia era anexar o pedido de suspensão à Petição 9.935, que já tramitava no STF e tratava de medidas contra o Telegram. Meses antes, em março de 2022, Moraes havia determinado a suspensão do aplicativo em todo o país, revogada dois dias depois, quando a empresa aceitou cumprir exigências do tribunal – precedente que acabou sendo considerado modelo para o caso da Gettr.
“Vamos ter que fazer igual o Telegram, derrubar geral. Aí eles mudam as coisas”, disse Tagliaferro.
Ainda no dia 3 de outubro, Tagliaferro enviou a Vieira um relatório com a justificativa para embasar o bloqueio da rede. O assessor de Moraes elogiou o texto e ironizou: “Está muito bom, Eduardo! Muito mesmo! O problema agora é o bloqueio. Sabe se o Gettr tem representação no Brasil? Rsrsrs”.
Tagliaferro respondeu que não havia escritório no país e sugeriu repetir a fórmula usada contra o Telegram, com a suspensão completa da rede. “Aí eles resolvem rapidinho, como foi no Telegram”, afirmou.
Em outra mensagem, Tagliaferro relatou que Moraes já havia manifestado apoio à medida: ontem à noite, ele falou que bloqueia mesmo kkk”.
Dias depois, em 7 de outubro, o assessor do TSE enviou comunicado oficial da Gettr informando que a empresa havia recebido ordem do STF para bloquear os perfis da juíza Ludmila Lins Grillo e do jornalista Allan dos Santos. Tagliaferro ironizou a resposta e foi aplaudido por outro juiz auxiliar de Moraes que integrava o grupo de conversas, Marco Antônio Vargas.
“Doutor Airton, que coração de pedra! Viu, deu certo. Agora podemos pegar os caras no Gettr. Pensaram que estavam impunes”, afirmou, mas sem uma resposta de Airton Vieira, segundo a apuração.
Juristas ouvidos pela reportagem apontam que a tentativa de bloqueio da Gettr apresenta ilegalidades, como a usurpação de competências, já que o STF não pode dar ordens ao TSE. Também apontaram a violação do Marco Civil da Internet, que prevê apenas remoção pontual de conteúdos, nunca a suspensão integral de uma plataforma; e a ausência de devido processo legal, uma vez que as ordens partiram de conversas privadas, sem contraditório ou ampla defesa.
A iniciativa também pode ser classificada como censura prévia, proibida pelo artigo 220 da Constituição Federal, além de caracterizar desvio de finalidade, pois a unidade de desinformação do TSE foi utilizada fora do período eleitoral e para fins criminais.
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