O uso de Inteligência Artificial (IA) continua dividindo opiniões, com uns defendendo a tecnologia como o futuro inevitável em todos os setores, e outros a acusando de ser uma regurgitadora de trabalhos alheios, infringindo direitos autorais que as big techs não querem pagar. Games não são uma exceção, com alguns desenvolvedores usando, outros não, e lojas aplicando critérios variantes para abordar o tema.
Um desses casos foi o projeto de Charles Cecil, chefe da Revolution Software, para remasterizar o primeiro título da série point-and-click Broken Sword, um plano que não deu muito creto, e que lhe custou mais do que o planejado.
IA só atrapalhou (e custou caro)
Em 2023, Cecil anunciou uma campanha de financiamento coletivo para a retomada da franquia Broken Sword, que envolvia um sexto título, Parzival’s Stone, e a remasterização da primeira aventura de George Stobbart e Nico Collard, Shadow of the Templars, lançada no longínquo ano de 1996.
No entanto, o anúncio foi recebido com certa repulsa pelos fãs quando a Revolution, limitada a apenas 6 funcionários, revelou que iria fazer uso de IA para refazer os mais de 30 mil quadros de animação originalmente feitos à mão; Cecil defendeu a decisão como economia de tempo e, principalmente, de dinheiro que não tinham.
O desenvolver explicou que cada frame levaria cerca de uma hora para ser redesenhado por um artista profissional ao custo de £ 15 ou £ 20 por cada, um custo que inviabilizaria toda a empreitada. O profissional estava ciente das críticas que Return to Monkey Island recebeu por sua decisão de usar outra direção artística, e concluiu que o melhor seria manter a identidade visual do clássico.
Charles Cecil conta que, diferente de certos negócios bilionários, a Revolution Software nunca nadou em grana, muito pelo contrário; por boa parte dos anos 2000 ela só existiu no nome, os lançamentos de Broken Sword 3 e 4 só favoreceram a distribuidora THQ, que ficou com quase toda a grana das vendas (cerca de £ 5 milhões), enquanto ela se afundou com um empréstimo de £ 250 mil para terminar o terceiro título, The Sleeping Dragon, culminando em um período de insolvência.
A Revolution se recuperou do baque financeiro dos anos 2000 voltando a distribuir seus games por conta própria, a versão Director’s Cut de Shadow of the Templars bancou o desenvolvimento de BS5: The Serpent’s Curse, e este o de Beyond a Steel Sky, assim, dá para aceitar o uso de IA como uma ferramenta necessária para o lançamento do primeiro Reforged, e a campanha de financiamento permitiu que o projeto fosse posto em prática.
No entanto, assim como outros já começaram a perceber, algoritmos não resolvem todos os problemas.
Primeiro, a campanha do Kickstarter não é suficiente por si só, a Revolution depende totalmente da receita de seus títulos passados; a campanha de Shadow of the Templars: Reforged amealhou em torno de £ 618 mil, sem considerar descontos com recompensas físicas e taxas da plataforma de financiamento coletivo.
E então teve o problema com a IA. Cecil conta:
“Todo mundo nos mandava imagens geradas por IA das telas (do game), e diziam “você precisa usar IA” (…) Mas o resultado não foi nem de longe satisfatório, os resultados não eram detalhados o bastante.”
A ideia original era usar algoritmos para fazer upscaling dos frames e cenários para 4K, e contar com artistas para fazer os retoques finais, mas as imagens geradas por IA foram consideradas inapropriadas para serem usadas; se elas fossem parar no game final, o resultado seria catastrófico para a Revolution.
No fim Cecil teve que recorrer ao plano original, contratar artistas para refazer as artes manualmente, uma por uma, o que consumiu mais tempo e estourou o orçamento previsto “de forma horrenda”; o estúdio só se salvou porque Broken Sword – Shadow of the Templars: Reforged vendeu muito acima do esperado.
O caso relatado por Charles Cecil está se tornando mais comum nos últimos meses, com muitos percebendo que a IA pode não ser a solução para todos os problemas (leia-se economia de recursos, principalmente graças à eliminação de vagas de emprego); empresas estão tendo que recontratar profissionais demitidos, porque não só algoritmos entregam resultados piores, como precisam ser revistos e corrigidos por supervisores.
Mesmo Sam Altman, CEO da OpenAI, admite que a corrida atrás da IA assumindo todas as funções para rechear os bolsos de executivos, às custas do emprego de muitos, assumiu o formato de uma bolha que pode estourar a qualquer momento, com consequências sérias em inúmeros setores (que provavelmente serão remediadas com mais demissões, because of reasons).
Charles Cecil é um dos que aprendeu a lição: a recém-anunciada remasterização do segundo game da série Broken Sword, The Smoking Mirror: Reforged, com lançamento previsto para 2026, abandonou totalmente o uso de IA, que o desenvolvedor chamou de “um erro caro”, e que se ele soubesse com antecedência o quanto a remasterização de Shadow of the Templars lhe custaria, ele nunca teria levado a ideia adiante.
Quanto à sexta aventura da franquia, Broken Sword: Parzival’s Stone, Cecil diz que o desenvolvimento progride, mas que não há pressa e nem interesse em repetir o que foi feito antes. Ele cita games como Disco Elysium, Kentucky Route Zero, e Oxenfree como exemplos que forçaram uma inovação do gênero point-and-click, e que ele busca isso para sua marca:
“As pessoas adoram inovação, e nós inovamos com nossos games da série Broken Sword. Precisamos inovar novamente.
Quanto a Broken Sword 6 (Parzival’s Stone), vai levar mais tempo, e então será algo completamente novo, baseado de forma substancial no que fizemos no passado, mas com a garantia de que vamos inovar.”
Anunciado durante a Gamescom 2023, Broken Sword: Parzival’s Stone promete seguir a fórmula investigativa dos games anteriores, enquanto coloca George e Nico em mais enrascadas em diversas partes do globo.
Como Cecil disse, o game já mostra embarcar elementos que os fãs da franquia contam que sejam mantidos e reinterpretados, embalados em uma roupagem mais moderna para consoles e PCs de hoje, porém ainda teremos que esperar um pouco para descobrir em que pontos o game procura trazer inovações para o gênero.
A única coisa concreta dessa história, é que Charles Cecil e a Revolution Software não deverão voltar a usar IA tão cedo.
Fonte: GamesIndustry.biz
Deixe um comentário