Assim como nas eleições municipais de 2024, a direita brasileira caminha para acirrar uma disputa interna entre conservadores próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e políticos aliados mais vinculados ao Centrão. Nesse contexto, a sobrevivência do legado do ex-mandatário e os interesses de governadores de direita tendem a influenciar e até tensionar nas próximas eleições.
As críticas feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e pelo vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) contra gestores do Sul e Sudeste evidenciam esse cenário. Carlos afirmou que governadores agem como “ratos” e oportunistas, acusando-os de buscar apenas herdar o capital político de Bolsonaro, sem apresentar liderança ou representar de fato a base conservadora. A publicação do vereador foi repercutida pelo deputado.
A declaração ocorreu um dia após o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), lançar sua pré-candidatura à Presidência. Além dele, também são apontados como possíveis sucessores de Bolsonaro os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Ratinho Jr. (PSD-PR).
Em meio à prisão domiciliar do ex-presidente e à pressão de Donald Trump sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), especialistas avaliam que a família Bolsonaro tenta manter a liderança do movimento conservador, permitindo que a figura do ex-presidente esteja presente até as eleições de outubro do ano que vem.
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Superfederação reforça Centrão enquanto direita busca alternativa sem Bolsonaro
O cientista político Alexandre Bandeira avalia que o afastamento de Jair Bolsonaro da disputa de 2026 abriu espaço para novas articulações no campo da direita. “Tem um ditado na política que diz que “não há vácuo no poder”. O crescimento de uma alternativa é produto do distanciamento do ex-presidente do próximo pleito”, afirma. Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além das articulações em curso, a oficialização da federação entre União Brasil e PP, chamada “União Progressista”, ocorrida em 19 de agosto, dá ao Centrão maior poder institucional. A aliança reúne a maior bancada da Câmara dos Deputados (109 deputados), está entre as maiores do Senado, concentra cerca de 1.300 prefeitos e sete governadores, e tem acesso à maior fatia do fundo eleitoral e partidário (quase R$ 1 bilhão em recursos de campanha).
Para Bandeira, o discurso dos aliados fiéis sustenta Bolsonaro no centro do debate por meio da pauta da anistia, mas governadores presidenciáveis desejam ampliar essa discussão. “Os governadores da direita querem abrir uma alternativa mais palatável, para discutir outros temas, além da anistia.”
Ele observa que ainda existem tratativas para uma candidatura de consenso, mas ressalta o risco de fragmentação. “Tarcísio e Caiado já assumiram o compromisso de fornecer o indulto a Bolsonaro, caso vençam. Mas, se isso não acontecer, poderemos ver um Centrão apadrinhando a candidatura de algum desses governadores e o PL com um nome vinculado à família Bolsonaro. Assim, teríamos uma direita dividida em primeiro turno.”
Para ele, o fator decisivo será o financiamento de campanha. “O fiel da balança será o fundo eleitoral, ou seja, o peso que os partidos políticos terão como moeda para financiar uma campanha de sucesso.”
O que cada ala da direita pensa
A divergência entre os governadores e a família Bolsonaro encontra eco no próprio entendimento do que significa ser de direita no Brasil. No caso de Caiado, por exemplo, o governador de Goiás construiu sua marca política como um opositor ferrenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No entanto, a avaliação de deputados mais conservadores é de que o goiano se distancia das pautas de costumes, priorizando questões econômicas e de segurança pública.
Do lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo um aliado que pediu para não ter o nome revelado, ser de direita significa defender prioritariamente as pautas de costumes de forma incisiva, como a defesa da família, dos valores morais e da vida desde a concepção.
O comportamento em relação ao Supremo é considerado hoje o maior divisor de águas entre conservadores e políticos mais pragmáticos. Para o entorno de Bolsonaro, o foco da direita deveria ser a anistia aos presos do 8 de janeiro, o impeachment do ministro Alexandre de Moraes e a reversão das condenações do próprio ex-presidente.
Já os governadores, embora tenham se manifestado em defesa de Bolsonaro em momentos anteriores, preferem manter uma postura mais discreta em relação à Corte. Apesar disso, Tarcísio já deu declarações sobre um possível indulto a Bolsonaro, enquanto Caiado falou em anistiar o ex-presidente.
Mas, como os estados dependem do tribunal em processos judiciais, a percepção é de que os gestores não podem entrar em conflito aberto com os ministros.
Segundo o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, a dificuldade está em unir duas agendas que, embora distintas, são fundamentais para diferentes segmentos do eleitorado.
“Trata-se de um dilema central da direita: conciliar a pauta de costumes, que mantém a coesão de parte da militância, com a agenda econômica, que fala ao empresariado e ao eleitorado preocupado com crescimento e emprego”, afirma.
Ele alerta que, sem essa articulação, o campo conservador pode se dividir e perder força nacional. “O desafio é transformar essa pluralidade em complementariedade e não em divisão.”
Eleições em São Paulo anteciparam a divisão da direita
A eleição municipal de 2024 em São Paulo foi um retrato fiel da disputa que hoje se projeta para o cenário nacional. Na ocasião, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), representante de uma ala tradicional do Centrão, contou com o apoio de Jair Bolsonaro. A decisão foi vista como pragmática: Bolsonaro priorizou a manutenção de influência política no maior colégio eleitoral do país, mesmo que para isso precisasse se aliar a um candidato que não encarnava integralmente as suas bandeiras.
Do outro lado, o empresário Pablo Marçal (PRTB) mobilizou parte expressiva da direita com um discurso antissistema, mais identificado com pautas conservadoras e de costumes. Marçal se apresentou como alternativa a Nunes, atraindo lideranças e eleitores que consideraram a aliança de Bolsonaro com o MDB uma concessão excessiva ao Centrão.
O embate expôs as tensões dentro do campo conservador. De um lado, a estratégia política de Bolsonaro buscava preservar espaço de poder ao se alinhar com forças tradicionais. De outro, a candidatura de Marçal refletia o desejo de parte da direita por um nome que simbolizasse renovação e fidelidade às pautas mais caras ao conservadorismo.
Esse episódio é apontado por analistas como um prenúncio do que pode ocorrer em 2026: a possibilidade de a direita chegar ao primeiro turno dividida entre uma candidatura pragmática, apoiada por governadores e partidos do Centrão, e outra mais ideológica, vinculada diretamente à família Bolsonaro e à sua base de apoiadores.
Bolsonaro ainda é o nome mais forte da direita, diz cientista político
A disputa interna na direita brasileira revela um contraste entre lideranças regionais e o capital político de Jair Bolsonaro. Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, os governadores dependem da avaliação de suas gestões e têm influência limitada ao eleitorado local.
“Os governadores têm projeção em parte do eleitorado, principalmente o eleitorado com o qual eles governam. E eles dependem de uma boa avaliação de sua gestão”, afirma.
Cerqueira observa que apenas São Paulo e, em parte, Minas Gerais conseguem projetar lideranças com alcance nacional. No entanto, ele destaca que Bolsonaro ainda é o nome mais forte da direita: “Bolsonaro é um fenômeno popular. Acho que ele é até mais impactante em termos de capacidade eleitoral que o próprio Lula.”
Segundo o especialista, os filhos do ex-presidente carregam esse legado e têm vantagem na disputa interna: “Hoje, os filhos do Bolsonaro, por estarem próximos e terem o nome do Jair Bolsonaro, têm um peso eleitoral mais significativo que os governadores”, opina.
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