A expectativa de que o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pela suposta tentativa de golpe de Estado seja concluído ainda neste ano fez com que partidos do Centrão intensificassem a costura por uma candidatura alternativa no campo da direita para 2026. A articulação tem como pano de fundo a realização de encontros públicos e privados com tom eleitoral entre os governadores presidenciáveis e a unidade no discurso de oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O julgamento de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) está marcado para setembro. Já a movimentação do Centrão acontece, principalmente, dentro do União Brasil e do Progressistas (PP), que formalizaram a federação batizada União Progressista. Com 109 deputados e 15 senadores, a federação tem como pré-candidato ao Palácio do Planalto o governador de Goiás, Ronaldo Caiado.
Apesar da pré-candidatura de Caiado, a federação mantém conversas com os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); do Paraná, Ratinho Júnior (PSD); de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD). Nessa estratégia, a federação União Progressista ofereceu nesta terça-feira (19) um jantar para discutir os próximos passos para tentar viabilizar uma candidatura unificada no campo da direita.
A principal articulação ocorre por meio do presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), um dos principais entusiastas da candidatura de Tarcísio de Freitas. Aliado de Bolsonaro, o parlamentar do Centrão tem defendido que o ex-presidente indique um nome para a candidatura pelo seu grupo político ainda neste ano.
“Defendo que Bolsonaro faça essa escolha ainda neste ano para não termos uma proliferação de candidaturas. O governador [que for disputar a Presidência da República] precisa do aval do ex-presidente para consolidar sua candidatura”, defendeu Ciro Nogueira.
O senador do Centrão avalia que a escolha antecipada de um candidato, especialmente se for alguém que atualmente ocupa cargo eletivo, como o de governador, permitirá uma preparação mais eficaz para a campanha. Ciro Nogueira destacou que, caso a opção recaia sobre um membro da família de Bolsonaro, a definição poderia ocorrer no próximo ano.
Para Victor Missiato, historiador e analista político do Mackenzie, a movimentação do Centrão mostra que esses partidos vão tentar capturar o eleitorado de Bolsonaro. A expectativa é de que essa movimentação se intensifique conforme o julgamento do ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se aproxime.
“Isso é muito perceptível na fala dos governadores vistos como presidenciáveis. Eles não estão se afastando de Bolsonaro, mas estão se colocando no pleito eleitoral de forma mais autônoma do que meses atrás. Isso é uma tendência tanto partidária quanto individual, e fica mais evidente no discurso dos presidenciáveis, que dependem muito do apoio de seus partidos e das alianças para se manterem relevantes”, explica Missiato.
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Movimentação dos governadores desagrada família Bolsonaro
Antes do jantar oferecido pelo União Progressista em Brasília nesta semana, os governadores presidenciáveis já vinham se articulando para alinhar o discurso contra Lula. Lideranças do PP, União Brasil, do Republicanos e do PSD admitem nos bastidores que a convergência se deu de maneira natural, em razão da perda de credibilidade do governo petista, sobretudo na relação com o setor privado.
Há duas semanas, em evento com investidores promovido pelo banco BTG Pactual, Tarcísio, Caiado, Ratinho e Leite fizeram críticas diretas ao presidente Lula. Na ocasião, o governador de São Paulo afirmou, por exemplo, que o país “não aguenta mais” o presidente, que busca a reeleição.
Além desse encontro, Tarcísio, Caiado, Zema e Ratinho também estiveram juntos, a portas fechadas, em encontro no início deste mês na casa do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Assessores do emedebista ouvidos pela reportagem admitiram que a pauta principal do encontro foi a articulação de uma candidatura unificada contra Lula para 2026.
As movimentações, no entanto, têm desagradado os filhos de Jair Bolsonaro, que fizeram críticas aos governadores nos últimos dias. O ex-presidente está em prisão domiciliar e tem mantido contato apenas com políticos autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes a visitá-lo.
“A verdade é dura: todos vocês se comportam como ratos, sacrificam o povo pelo poder e não são em nada diferentes dos petistas que dizem combater. Limitam-se a gritar ‘fora PT’, mas não entregam liderança, não representam o coração do povo. Querem apenas herdar o espólio de Bolsonaro, se encostando nele de forma vergonhosa e patética”, disse o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ).
A publicação de Carlos Bolsonaro foi repercutida por seu irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Sem citar nomes, o parlamentar, que atualmente está nos Estados Unidos, criticou o “silêncio” dos pré-candidatos em relação à prisão domiciliar de Bolsonaro.
“Não há vitória sem ação e a omissão custa o sucesso. Mesmo num cenário que muitos traçam – não eu – onde Jair Bolsonaro não concorre em 2026, a única chance de um candidato ainda que “de direita” perder é o silêncio neste momento sensível. Não haverá argumentos para impedir a cobrança numa campanha eleitoral, certamente em tom de revolta”, disse Eduardo nas redes sociais.
Segundo o professor e analista Victor Missiato, o tom das críticas mostra que, apesar dos anseios do Centrão, o ex-presidente Bolsonaro não vai abrir mão de participar das articulações para 2026.
“Bolsonaro tentará levar até 2026 o discurso da perseguição, da tentativa de absolvição e da escolha de um nome com o sobrenome da família para se manter forte. A intenção é angariar apoio e conquistar votos, e o fator Michelle Bolsonaro pode ser uma novidade em 2026. Por isso, não vejo o Bolsonaro escolhendo agora um candidato presidenciável de direita que não tenha o sobrenome dele”, explica Missiato.
Nome mais próximo a Bolsonaro, Tarcísio de Freitas reafirmou nesta semana que pretende concorrer à reeleição para governador em São Paulo. Aliados do governador admitem que ele só irá se colocar como pré-candidato quanto tiver a “benção” do ex-presidente.
O governador Ronaldo Caiado disse, em entrevista à GloboNews, que a publicação de Carlos Bolsonaro era um “desabafo”, que ele disse entender como “esse desespero de um filho que vê um pai, querendo ou não, numa prisão domiciliar sem sequer ser julgado”.
Já Romeu Zema se disse “supresso” com as declarações do filho do ex-presidente nas redes sociais. “Nós à direita temos as mesmas propostas. Estamos lutando pelos mesmos objetivos. Então, fico até surpreso e compreendo. Me solidarizo com a família que vive um momento difícil. Continuamos caminhando juntos. Até marido e mulher discordam, então o que dizer de partidos políticos diferentes”, disse Zema.
União Progressista quer manter cargos no governo Lula
Apesar dos discursos e da tentativa de atrair o capital político de Bolsonaro para 2026, a federação formada pelo União Brasil e pelo PP não pretende entregar, neste momento, os cargos que ocupam no governo Lula. Juntos, os dois partidos indicaram quatro ministros na gestão petista, além de indicações na Caixa Econômica Federal e na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Lideranças dos partidos admitem nos bastidores que questões locais, o controle de uma parcela do Orçamento federal e a visibilidade de ministros que pretendem usar os cargos para concorrerem ao Senado vão evitar um anúncio de desembarque. No caso do PP, por exemplo, o ministro do Esporte, André Fufuca, tenta costurar sua candidatura pelo Maranhão.
No União Brasil, o presidente da legenda, Antônio Rueda, tem defendido o rompimento com o governo Lula, mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), resiste em abdicar das indicações feitas no governo. Missiato aponta que, apesar do discurso contra Lula, o fisiologismo dos partidos do Centrão vai prevalecer.
“O controle das pastas ministeriais serve como palanque político, principalmente em ano eleitoral, sem contar as alianças feitas para que, independentemente do candidato que vença, os partidos de centro consigam navegar e manter uma estrutura política estável. O objetivo é se perpetuar no poder e manter o comando do centro dentro do Executivo”, explica.
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