A eventual prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ou uma condenação no julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que começa no dia 2, tendem a acirrar as tensões com os Estados Unidos e provocar sanções inéditas contra o Brasil, com graves impactos econômicos.
O cenário já era complexo desde julho, quando o governo Trump anunciou tarifas sobre produtos brasileiros. “Existe um risco real de sanções, tanto pessoais – a outros ministros além de Alexandre de Moraes e familiares – quanto medidas mais drásticas de cunho econômico”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria.
Em gesto de forte alinhamento com Bolsonaro, o presidente Donald Trump e membros de seu governo sinalizaram nas últimas semanas algumas medidas adicionais que ainda podem ser adotadas contra o Brasil:
- ampliar as tarifas comerciais;
- estender os efeitos da Lei Magnitsky; e
- excluir o país do Swift, o sistema internacional de pagamentos bancários.
Caso alguma dessas medidas seja confirmada, os efeitos devem ser mais pesados que o já aplicado tarifaço de 50%, apontam especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
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STF e o dilema dos bancos: entre a lei brasileira e as sanções dos EUA
A crise entre o Brasil e os Estados Unidos ganhou novos contornos quando o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na terça-feira (19) que leis estrangeiras não têm validade automática no Brasil sem aval judicial. A embaixada americana reagiu imediatamente, alertando que Alexandre de Moraes é “tóxico” para empresas e indivíduos que buscam acesso aos EUA e seus mercados.
A representação diplomática norte-americana também afirmou que quem oferece apoio a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções.
O posicionamento do STF criou um dilema para os bancos brasileiros. Se cumprirem a determinação do tribunal e mantiverem laços comerciais com Moraes, correm o risco de sofrer penalidades nos Estados Unidos. Se optarem por respeitar a Lei Magnitsky e encerrarem contratos com autoridades sancionadas, podem ser punidos pela justiça brasileira.
“Não dá para servir a dois senhores ao mesmo tempo”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central.
Há receio também de que bancos brasileiros que operam nos EUA – incluindo os menores – tenham suas operações afetadas por suspensão de licenças, disse a diretora da Tendências.
Quais os efeitos das ameaças americanas feitas antes da prisão de Bolsonaro?
As ameaças feitas por Trump e membros de seu gabinete, mesmo antes da prisão de Bolsonaro, sinalizam para impactos significativos e que seriam bem maiores do que o tarifaço – que em até dez anos pode representar a perda de R$ 110,4 bilhões no PIB e de 618 mil empregos, de acordo com a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Os efeitos de sanções adicionais contra o Brasil começariam pelo aumento da percepção de risco, segundo economistas. Os ativos financeiros – ações, dólar e juros futuros – seriam os primeiros afetados pela incerteza sobre as medidas do republicano.
A queda das ações dificultaria a captação de recursos pelas empresas, enquanto a desvalorização do real comprometeria a desaceleração da inflação e a redução da Selic.
O aumento dos juros futuros elevaria o custo do crédito para famílias e empresas, afetando o consumo e investimentos, com reflexos no PIB e emprego. Agentes externos tenderiam a retirar investimentos do Brasil, levando investidores locais a buscar ativos mais seguros.
Tarifaço maior inviabilizaria exportações para os Estados Unidos
Uma ampliação das tarifas para 100%, como cogitado por Trump diante da ameaça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de também retaliar os norte-americanos, praticamente inviabilizaria as exportações brasileiras para os Estados Unidos, segundo destino das vendas externas do país e principal mercado para produtos da indústria de transformação.
“É uma situação que limitaria completamente as exportações brasileiras para o mercado americano, gerando efeitos diretos negativos nos segmentos afetados, na produção e no emprego”, explica Ribeiro.
O agronegócio pode ser ainda mais afetado, já que a lista de exceções ao tarifaço privilegiou produtos de maior valor agregado, como aviões comerciais e suas peças e o petróleo e seus derivados. No agronegócio, apenas foi incluído o suco de laranja.
Segundo Nathália Grizzi, sócia da área de direito empresarial da Martorelli Advogados, se essa perspectiva de redução significativa nas exportações se concretizar sem que haja o escoamento desses produtos para novos mercados consumidores, é possível imaginar um aumento no número de pedidos de recuperação judicial das empresas afetadas, pois isso trará uma pressão financeira adicional para o agro, que é intensivo em capital.
Aplicação ampliada da Lei Magnitsky pode ter consequências severas para os bancos brasileiros
Outra possibilidade diante de mais medidas restritivas decorrentes da prisão de Bolsonaro ou de sua condenação pelo STF seria a aplicação ampliada da Lei Magnitsky. É um cenário que pode trazer consequências severas para o sistema financeiro brasileiro. Bancos que desrespeitarem as sanções americanas podem sofrer multas pesadas, a exemplo do que já ocorreu com outras instituições.
O BNP Paribas foi multado em quase US$ 9 bilhões em 2014 por ter intermediado transações originárias de Cuba, Irã e Sudão. As transações foram processadas pelo sistema financeiro americano. Metade das transações envolviam entidades expressamente proibidas.
Instituições financeiras brasileiras com operações nos Estados Unidos correm o risco de ter suas licenças suspensas ou suas operações em dólar restringidas. Isso dificultaria o acesso ao mercado americano, essencial para linhas de crédito de exportação e operações interbancárias.
“O problema seria mais operacional e imporia custos operacionais grandes para os bancos e, portanto, para as empresas”, avalia Schwartsman. O impacto se daria na capacidade dos bancos de intermediar dólares para exportadores e importadores, afetando o crédito e o acesso a mercados de capitais estrangeiros.
Especialistas consideram muito improvável que, em decorrência disso, venha a ocorrer uma crise bancária sistêmica com corrida aos bancos. Segundo a diretora da Tendências Consultoria, o sistema financeiro brasileiro é robusto, os bancos são bem capitalizados e o BC realiza testes de estresse regulares.
Exclusão do sistema Swift deixaria o Brasil ilhado no sistema financeiro internacional
O cenário mais extremo diante de um reforço na situação da prisão de Bolsonaro ou sua condenação pelo STF seria a exclusão do Brasil do Swift, o principal sistema de integração bancária global. Com isso, as instituições financeiras não poderiam fazer transferências internacionais, interrompendo exportações, importações, investimentos e remessas. O país ficaria praticamente isolado do sistema financeiro internacional.
A hipótese foi levantada pelo representante comercial dos Estados Unidos, Jamieson Greer, em entrevista à rede norte-americana CBS no início do mês: “As tarifas são, na verdade, mais leves do que uma sanção – uma sanção, você está excluindo um país do seu sistema financeiro”.
Os efeitos seriam catastróficos, ressalta Ribeiro. Segundo ela, a situação causaria um cenário com repercussões expressivas sobre a economia brasileira. Haveria dificuldades imensas para transacionar, afetando diretamente o comércio internacional do país e, consequentemente, a atividade econômica doméstica. A medida foi aplicada contra a Rússia, devido à guerra que iniciou contra a Ucrânia em 2022, e exigiu conversas com as instituições financeiras europeias.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou ter recebido garantias de Hayden Allan, chefe global de assuntos corporativos do consórcio, de que o Swift, sediado na Bélgica, não acataria a decisão americana, pois segue o marco legal europeu e não está sujeito a sanções arbitrárias de países específicos.
Congelamento das reservas brasileiras nos EUA seria uma catástrofe
Outra possibilidade que poderia ocorrer diante do reforço das condições da prisão de Bolsonaro seria o congelamento das reservas brasileiras em dólar, parte delas custodiadas nos Estados Unidos. Schwartsman diz que tal medida seria algo como uma “bomba atômica”, algo que os EUA não costumam acionar imediatamente.
As regras específicas para uma ação dessa magnitude não são totalmente claras. A ideia é levantada por analogia com sanções sofridas pela Rússia, que teve parte de suas reservas congeladas.
Caso ocorresse, o congelamento de ativos brasileiros – especificamente reservas em títulos americanos custodiados no exterior – implicaria que o Banco Central perderia poder de fogo para controlar movimentos cambiais e acessar esses recursos, configurando uma “catástrofe” econômica.
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