Mesmo após o histórico acordo anunciado nesta semana pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) com a família de Paulo Maluf (Progressistas), ex-prefeito de São Paulo — no qual os Maluf se comprometem a devolver nada menos que R$ 210 milhões que teriam sido desviados da prefeitura nos anos 1990 —, o político de 93 anos ainda “deve” quase R$ 800 milhões aos cofres públicos da cidade.
Segundo o MP-SP, Maluf desviou 300 milhões de dólares (ou cerca de R$ 1,68 bilhão) da cidade entre os anos de 1993 e 1996, quando foi prefeito da capital paulista pela segunda vez — a primeira foi no período de 1969 a 1971. De acordo com o promotor Silvio Marques, titular da Promotoria do Patrimônio Público e Social da Capital, o MP-SP conseguiu, ao longo dos últimos 29 anos, recuperar cerca de 160 milhões de dólares que teriam sido desviados pelo então prefeito. O valor equivale a cerca de R$ 896 milhões no câmbio da última quarta-feira (30) — ou seja, pouco mais da metade do valor apontado pelo Ministério Público como devido pelo político.
Assim, Maluf ainda teria que ressarcir o erário paulistano em cerca de R$ 784 milhões para devolver tudo que teria desviado durante a administração dele, segundo a acusação da promotoria e o câmbio atual. A devolução dos R$ 210 milhões assinada nesta terça-feira (29) pelo MP-SP e pela Procuradoria Geral do Município de São Paulo com quatro filhos, uma ex-nora e um ex-genro de Maluf — além de uma empresa offshore sediada no Uruguai e um banco brasileiro que hoje é sócio acionista da Eucatex, empresa da família — é o mais recente capítulo desta saga.
Este acordo é resultado especificamente das investigações sobre desvios de verba de obras como o Túnel Ayrton Senna, na região do Parque do Ibirapuera, e a Avenida Água Espraiada, atualmente chamada de Avenida Jornalista Roberto Marinho. Outros processos relacionados à gestão de Maluf na prefeitura de São Paulo contra ele e a família seguem em curso e não são afetados pelo novo acordo, informa o MP-SP.
Segundo a procuradora-geral do município de São Paulo, Luciana Sant’Ana Nardi, “o acordo é muito bom para todas as partes, principalmente para o interesse público, já que se trata do maior escândalo de corrupção de São Paulo”. Em nota sobre o caso, a prefeitura define o acordo como “um marco na execução de acordos transnacionais e ações judiciais contra desvios de recursos públicos”.
Mansão da família Maluf no litoral de SP está entre 19 imóveis penhorados
Em outro processo, em fevereiro deste ano, a Justiça de São Paulo havia penhorado 19 imóveis de Maluf para garantir o pagamento de outros R$ 417 milhões. Entre os imóveis penhorados estão uma mansão de frente para o mar no Guarujá, no litoral paulista, além de apartamentos, terrenos e imóveis comerciais na capital.
Esse processo começou ainda em 1993, ou seja, há 32 anos. Depois de 14 anos, em 2007, veio a condenação definitiva para a devolução do valor, que não foi pago até hoje. A ação foi aberta pelo então vereador Maurício Faria (PT), que acusou o então prefeito de fazer promoção pessoal com dinheiro público. Nela, Maluf foi condenado por utilizar sua então marca de campanha, um trevo de quatro folhas com o formato de corações, como logomarca da gestão municipal.
Cerca de um ano antes das penhoras, em março de 2024, o Supremo Tribunal Federal da Suíça determinou a repatriação ao Brasil de 16,3 milhões de dólares, ou cerca de R$ 91 milhões, que estavam bloqueados nas contas de Maluf no país europeu. Na esfera criminal, Paulo Maluf foi condenado a sete anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017, em uma ação penal proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), por lavagem de dinheiro.
Na ocasião, ele alegou que falhas processuais levaram à condenação, que teria sido injusta. Segundo a decisão do STF, o ex-prefeito de São Paulo ocultou e dissimulou dinheiro desviado da obra da avenida Água Espraiada, durante a gestão comandada por ele. De acordo com o MPF, o esquema envolveu transações internacionais para repatriar os recursos ilícitos.
Ainda há contra o político e um dos filhos uma ordem de prisão emitida pela Promotoria de Nova York desde 2007, também relacionada à lavagem de dinheiro desviado da prefeitura de São Paulo. Na França, Maluf e a esposa foram condenados a três anos de prisão e ao pagamento de multa em um processo penal conduzido pelo Ministério Público de Paris.
Por determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, houve a extinção das penas de prisão contra Maluf baseado nos critérios do indulto de Natal, assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022.
“Justiça que tarda é Justiça que falha”
Publicamente, Maluf sempre negou qualquer desvio de dinheiro público. “O acordo representa uma solução jurídica para processos que se arrastavam há anos e reforça uma tendência negocial que favorece todo sistema de Justiça”, afirma o advogado Eduardo Diamantino, do escritório de advocacia Diamantino Advogados Associados, que representou os familiares do ex-prefeito Paulo Maluf nas negociações com o MP-SP firmadas nesta semana.
“Ações assim costumam levar anos sem qualquer acordo ou conclusão. O desfecho mostra a postura colaborativa da família, que encerra uma controvérsia judicial sem estar sujeita às incertezas inerentes ao processo”, afirma o advogado. O Tojal Renault Advogados também participou da negociação representando familiares e assessorando o banco BTG Pactual, que pretende ampliar sua participação na Eucatex, sem alterar o grupo de controle da companhia.
“Justiça que tarda é Justiça que falha”, afirmou em sua conta na rede social X a Transparência Internacional, após a divulgação do novo acordo firmado com a família Maluf. “Os processos contra Maluf começaram em 1993, acusado de desviar mais de US$ 300 milhões. Trinta anos depois, quase metade do rombo milionário ainda não foi recuperada e Maluf (que não ficou nem 4 meses preso antes de conseguir prisão domiciliar em sua mansão) continua sendo símbolo mundial de impunidade”, afirma a organização não-governamental no comunicado.
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