O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), está movendo o foco das atenções para um tema que, à primeira vista, parece uma iniciativa genuína de proteção à infância: a “adultização” infantil. Mas a manobra pode ser uma forma de adiar votações polêmicas e empurrar para escanteio pautas cruciais, como o Projeto de Lei da Anistia, segundo especialistas e a oposição. O projeto de lei da adultização pode ser votado já na quarta-feira (20).
Na avaliação do professor de Direito Constitucional André Marsiglia, a movimentação de Motta, para tentar reduzir o clima de confronto com o governo e com o Supremo Tribunal Federal (STF), é uma estratégia para deslocar o debate de pautas prioritárias para a oposição.
O debate de adultização surgiu com a popularização de um vídeo do influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, que trata de exploração e sexualização de menores de idade em conteúdos nas redes sociais. O vídeo atingiu quase trinta milhões de visualizações no YouTube e foi adotado como pauta política no Executivo e no Legislativo. Motta abraçou o tema depois de um período conturbado de protestos da oposição deflagrados pela prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro no início do mês.
“Não tenho a menor dúvida de que não se trata de tentativa de pacificação e sim de desvio de foco do próprio Motta. O tema é anistia, ele desvia-se para essa questão da adultização, que agora é o tema da moda. E com isso também coloca foco em algo muito importante àqueles a quem Motta parece servir, que são o STF e o próprio governo. Por trás dessa questão da adultização vem uma regulação. Já houve antes uma tentativa de endurecimento da regulação das redes sociais pelo STF”, afirmou.
Marsiglia ainda reforçou que “trata-se de uma manobra para desviar o foco da anistia e colocar luz sobre a regulação das redes”. “O impacto disso na oposição é que, em algum momento, pelo menos inicial, ela hesitou e não rechaçou esse projeto”, disse.
“Há uma parte ainda da oposição que quer discutir a sério a questão da adultização e que vai se debruçar sobre propostas nesse sentido — o que serve à intenção de Motta. Não acredito que vá esvaziar completamente as pautas prioritárias, mas sem dúvida houve diminuição dessa temática.”, completou Marsiglia.
Nos bastidores, aliados de Jair Bolsonaro admitem receio de que a mobilização em torno da “adultização” sirva para empurrar a Anistia para o fim da fila. A última reunião de líderes reforçou essa percepção: a oposição tentou incluir a pauta, mas saiu de mãos vazias. O governo, por sua vez, também não conseguiu avançar com a proposta de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, prioridade do PT.
Hugo Motta tem reiterado que não cederá ao que classifica como “chantagem” da oposição. “Ninguém quer fazer nada atropelado. O que aconteceu em 8 de janeiro foi grave e triste para a democracia. Não é razoável conceder anistia a quem planejou matar pessoas.” A fala é uma tentativa de se colocar em uma alegada posição de árbitro, evitando assumir um lado claro na disputa, mas ao mesmo tempo adiando uma definição que interessa diretamente à direita.
Ao transformar a “adultização” em prioridade, Motta sinaliza que o poder de definir a pauta permanece na sua mesa — e não na pressão da oposição. O debate sobre a infância, embora legítimo, passa a cumprir função política: neutralizar o embate imediato sobre a anistia, ganhar tempo para o governo e testar até onde a direita aceita negociar.
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Pauta avança com data marcada para votação
A movimentação ganhou novo capítulo nesta segunda-feira (18), quando Hugo Motta anunciou que o Projeto de Lei 2.628/22, conhecido como PL da “adultização”, deve ser votado já nesta quarta-feira (20). O texto, relatado pelo deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), tem 93 páginas e estabelece que “os produtos e serviços de que se trata o projeto devem garantir a proteção prioritária de crianças e adolescentes e oferecer elevado nível de privacidade, proteção de dados e segurança”.
Em vídeo publicado no Instagram, Motta afirmou: “Nós vamos levar à votação o projeto de lei que trata da proteção das crianças e dos adolescentes em ambientes de rede. Nós temos uma grande expectativa sobre o combate à adultização das nossas crianças, à erotização, e a Câmara dos Deputados irá, após a comissão geral que será realizada na quarta-feira para debater o tema, levar o assunto ao plenário.”
A urgência da pauta será discutida já na reunião de líderes desta terça-feira (19). Caso haja acordo, o texto segue direto para o plenário.
Oposição segue desconfiada sobre priorizar a “adultização” pelo risco de censura
Um dos pontos mais sensíveis do PL 2.628/22 está no artigo que prevê a retirada de redes sociais de conteúdo considerado ofensivo a crianças e adolescentes tão logo a plataforma seja notificada, independentemente de decisão judicial. Para a oposição, esse dispositivo abre brecha para censura disfarçada, pois pode abranger não só a proteção de crianças mas ter sua utilização ampliada para suprimir debates políticos legítimos sobre outros temas.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que acompanhou a tramitação do texto no Senado, tentou reduzir esse risco ao apresentar duas emendas que tratam da forma de notificação às redes sociais sobre conteúdo suspeito. Segundo ela, a redação final deixou o projeto mais objetivo:
“Ainda no Senado, havia muitas dúvidas sobre a possibilidade de censura das redes, mas tivemos todo o cuidado para que o texto tratasse apenas de crianças. É muito específico e não dá margem. Possivelmente, quem está criticando sequer se deu ao trabalho de ler o que está escrito. Eu defendo o projeto, e o Hugo Motta sabe disso, já falei com ele que seria muito benéfico. Sou favorável que seja pautado.”
O deputado federal General Girão (PL-RN) afirmou não ver conflito entre a pauta da proteção à infância e as demandas da oposição. “Não há problema algum em caminhar com os dois assuntos simultaneamente. Estamos aqui para trabalhar, diferentemente do pessoal da esquerda, que quando ocupamos a mesa disse que queria trabalhar — algo que, até então, nunca demonstraram gostar de fazer”, ironizou.
Segundo ele, a proteção das crianças é um tema importante, mas que não deve inviabilizar outras agendas. Para ele, o Brasil vive um momento que exige “anistia ampla, geral e irrestrita” para pacificar o país, citando exemplos históricos.
“Já tivemos anistia na época de Getúlio Vargas e, depois, a mais comentada, a de 1979, que pacificou o país e permitiu que muitos que hoje estão no poder voltassem do exílio ou fossem libertados em troca de sequestros. Hoje temos mais de 1.400 presos políticos, alguns trancafiados, outros com tornozeleira eletrônica, simplesmente por estarem no local onde aconteceu uma depredação — depredação que, inclusive, não foi devidamente esclarecida pela CPMI de 8 de janeiro, que foi mal conduzida”, disse.
Segundo Girão, a obstrução recente nas sessões da Câmara teve como objetivo assegurar que a Anistia e o fim do foro privilegiado fossem pautados ainda neste semestre. “Houve compromisso assumido com líderes dos maiores partidos. União Brasil, PP, PL, Novo e PSD se comprometeram conosco. O presidente Hugo Motta havia dito que pautaria aquilo que a maioria dos líderes decidisse. É uma questão simples”, reforçou.
O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou confiar na palavra de Motta, mas alertou que a oposição resistirá a qualquer tentativa de usar o tema como instrumento para restringir a liberdade na internet.
“Eu confio que o presidente Hugo Motta tem palavra… Na terça-feira, diante de todos os líderes, ele disse que não pautaria nada sem o amplo debate sobre a adultização de crianças e adolescentes. Não se trata de conveniência política, mas de proteger a infância, pauta histórica da direita e dos conservadores”, declarou.
Cavalcante ainda reforçou que a oposição manterá “resistência total” se o debate for atropelado. “Não aceitaremos que essa pauta seja usada como pretexto para censurar as redes sociais.”, acrescentou.
Na mesma linha, o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) criticou a postura do governo e a iniciativa de colocar a “adultização” como prioridade. Segundo ele, “o governo está enfraquecido e perde a oportunidade de minimizar os impostos vindos da América. Eles querem mudar o foco dizendo que defendem as crianças. Nunca defenderam e nem vão defender”. Em sua opinião, a aprovação da anistia poderia fazer Washington levantar as sanções comerciais contra o Brasil.
Motta anunciou a criação de um grupo de trabalho para apresentar, em 30 dias, uma proposta de proteção a crianças e adolescentes na internet. Também marcou para o dia 20 uma comissão geral com especialistas. A oposição, porém, estuda obstruir a pauta caso o texto inclua trechos que, na avaliação dos parlamentares, representem censura à internet.
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