A prisão domiciliar de Jair Bolsonaro (PL) – determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – pode reforçar a percepção de injustiça e ampliar a influência do ex-presidente para além da base regular de apoiadores. Analistas e lideranças políticas avaliam que a atual ofensiva contra Bolsonaro pode consolidar sua imagem como uma espécie de “mártir”, especialmente se Moraes decidir converter a prisão domiciliar em preventiva e mandar Bolsonaro para a cadeia.
Longe de significar o fim da trajetória política de Bolsonaro, o endurecimento das medidas judiciais contra ele pode reforçar seu capital político e favorecer a oposição nas eleições de 2026 contra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O STF começou a impor medidas restritivas a Bolsonaro no último dia 18, com a utilização de uma tornozeleira eletrônica e a proibição de se comunicar com o público. As medidas escalaram na segunda-feira (4) com uma ordem de Moraes que determinou a prisão domiciliar de Bolsonaro e cortou sua comunicação pública e com aliados. Na prática, o ex-presidente só pode se comunicar com sua mulher, Michelle Bolsonaro, e com sua filha, pois moram no mesmo local. Bolsonaro só poderá receber visitas de seus advogados, todas as demais conversas precisam ser autorizadas por Moraes previamente.
Mas vozes do campo conservador e cientistas políticos analisam que o efeito pode ser justamente o oposto ao pretendido pelos que desejam vê-lo fora do jogo político em 2026. O ex-presidente pode sair fortalecido, ainda mais conectado à base que o vê como injustiçado e vítima de perseguição política.
Para o cientista político Paulo Kramer, a personalização da figura de Bolsonaro em meio ao embate contra o Judiciário é estratégica e remete a momentos históricos que marcaram a redemocratização do Brasil.
“Numa cultura tão personalista e ‘fulanizada’ como a nossa, a personificação em Jair Bolsonaro de todos os abusos contra os direitos humanos e as liberdades públicas ora perpetrados pelo condomínio da juristocracia e do governo é útil e eficaz para a causa da oposição”, avalia Kramer.
Ele lembra que, nos anos de 1980, a figura de Dante de Oliveira com a proposta das “Diretas Já” foi fundamental para canalizar a energia popular contra o regime militar. Dante de Oliveira foi o deputado que apresentou a emenda que desencadeou o movimento das “Diretas Já”. Embora a proposta tenha sido derrotada no Congresso, a mobilização popular foi decisiva para o posterior retorno das eleições diretas.
Para Kramer, Bolsonaro pode hoje ocupar esse papel simbólico de catalisador de uma pauta ampla de insatisfação — que vai desde o ativismo judicial até o descontrole das contas públicas. “A luta pela ‘Liberdade para Bolsonaro’ sintetiza – e, insisto, personifica – toda uma agenda de mudanças, entre elas a devolução do STF ao seu legítimo ‘quadrado’ constitucional”, afirma.
O estrategista político Gilmar Arruda reforça o diagnóstico de que as medidas judiciais não estão desmobilizando a direita, mas sim catalisando uma reorganização. “A repercussão no ambiente midiático das restrições impostas ao ex-presidente Bolsonaro vão consolidar ainda mais a sua liderança, unificando inicialmente o bolsonarismo e, depois, atraindo setores do centro político que rejeitam o lulo-petismo”, projeta.
VEJA TAMBÉM:
Nova condição de Bolsonaro afeta eleições de 2026
A construção de uma maioria de parlamentares alinhados à direita no Congresso, almejada por Bolsonaro, também deve ser afetada pela prisão. Analistas e aliados avaliam que as medidas contra o ex-presidente têm potencial de amplificar seu capital político, especialmente no centro do espectro partidário, nas eleições de 2026.
Por outro lado, Bolsonaro deve ver reduzida sua capacidade de transferência de votos pois, se sua prisão domiciliar for mantida ou se for mandado para a cadeia, Bolsonaro não poderá subir em palanques ou usar as redes sociais para apoiar candidatos aliados.
Analistas e políticos ouvidos pela reportagem enxergam na crise um momento estratégico de reorganização da direita e fortalecimento da sua base eleitoral, mas também há o temor do esquecimento.
Questionado pela Gazeta do Povo sobre os possíveis efeitos das restrições, o deputado Zé Trovão (PL-SC) afirmou que todas as ações são um “claro sinal de medo diante do possível retorno de Bolsonaro ao poder nas eleições de 2026”.
Aliados mais próximos do ex-presidente dizem acreditar que a pressão do presidente Donald Trump pode ajudar Bolsonaro a recuperar seus direitos políticos e concorrer no próximo ciclo eleitoral.
Segundo o estrategista eleitoral Gilmar Arruda, o cenário atual de Bolsonaro preso trará novos aliados para Bolsonaro. “Ele cresce dentro do campo, se fortalece porque atrai novos atores — principalmente do centro do espectro político. Claro que alguns também vão se distanciar, mas ele amplia sua influência”, diz.
“A cobertura midiática intensa faz com que o tema entre na casa das pessoas. Aqueles que já não avaliam bem o governo Lula começam a perceber exageros nos desdobramentos jurídicos contra Bolsonaro. Isso alimenta sua imagem de vítima e injustiçado”, afirma.
Para o cientista político Paulo Kramer, a prisão de Bolsonaro pode impulsionar não apenas apelos populares por sua libertação, mas também uma reorganização estratégica da direita. “As correntes da direita dobrarão suas denúncias contra a injustiça sofrida pelo ex-presidente, que é vítima de punições e restrições desproporcionais, e também farão apelos pela liberdade de Bolsonaro”, afirma.
Segundo ele, se essa mensagem ganhar força na opinião pública, reforçando os abusos atribuídos ao STF, pode alimentar o projeto da direita de eleger senadores comprometidos com o impeachment de ministros da Suprema Corte.
Arruda, no entanto, faz uma distinção sobre o foco da campanha. “Essa não será a plataforma de campanha para 2026, que será focada na economia. Mas servirá como linha de contraponto e desgaste contínuo do governo Lula até lá”, afirma.
Para o estrategista, a tendência é de que o espectro político liderado por Bolsonaro “no mínimo repita os resultados eleitorais de 2022”.
Nos bastidores, fontes ligadas a aliados de Bolsonaro, avaliam ainda que quaisquer ganhos que o presidente Lula teria com o tarifaço de Trump podem ser abafados pela prisão de Bolsonaro.
No entanto, há parlamentares que afirmam temer que a prisão possa enfraquecer a articulação para as próximas eleições. “O brasileiro tende a esquecer dessas coisas com o tempo”, disse uma fonte parlamentar ouvida pela reportagem sob condição de anonimato, ao ser questionada sobre a possibilidade de as ações contra Bolsonaro fortalecerem seu capital eleitoral.
Kramer também reconhece obstáculos relevantes para a consolidação do movimento da direita nas próximas eleições. “No momento, apesar do apoio significativo do governo Trump à causa de Bolsonaro, os políticos oposicionistas mostram-se em geral apavorados com a perspectiva das punições ditadas por Moraes e seus colegas, e ninguém quer se arriscar a representar o papel de ‘mártir’”, avalia.
Para ele, falta à direita tanto uma liderança política capaz de virar o jogo quanto um “núcleo dirigente” na sociedade civil que una igrejas, intelectuais, profissionais liberais e militares em torno da defesa do que chama de “verdadeiro Estado Democrático de Direito”. Segundo ele, um exemplo desse tipo de liderança foi o ex-comandante do Exército, Eduardo Villas-Bôas. “Desde a doença que literalmente calou o general Villas-Bôas, a elite fardada perdeu seu mais respeitado porta-voz”, afirma o doutor em Ciência Política.
O deputado Luiz Ovando (PP-MS) acredita que Bolsonaro poderá viver uma reviravolta semelhante à de Lula, que mesmo preso foi posteriormente liberado e reconduzido à disputa eleitoral.
“Pode ser que os todo-poderosos do Supremo queiram, futuramente, contrariar aquilo que está juridicamente estabelecido e liberar Bolsonaro. Foi assim que aconteceu com Lula e pode ser que venha a acontecer com Bolsonaro”, declarou.
Prisão de Bolsonaro não é questão jurídica, mas sim tentativa de silenciar a maior liderança da direita
O líder da oposição na Câmara, deputado Luciano Zucco (PL-RS), destacou que o caso de Bolsonaro ultrapassa os limites da legalidade e ganha contornos de perseguição institucional. “O Brasil alcançou um patamar inédito — e profundamente alarmante — no que se refere à perseguição política, à censura e ao desequilíbrio entre os Poderes. O que está em curso não é uma disputa jurídica, mas uma tentativa escancarada de silenciar a maior liderança popular da América Latina por meio do uso político da justiça”, afirmou à Gazeta do Povo.
Após a operação da PF na casa do ex-presidente e da imposição de medidas cautelares contra ele em 18 de julho, a oposição no Congresso tentou organizar uma mobilização como resposta. Em especial, a bancada do PL tentou interromper o período de recesso parlamentar para responder às ações judiciais buscando a rearticulação legislativa. O foco era nas pautas da anistia, do fim do foro privilegiado e no impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
As iniciativas de agir durante o recesso, porém, acabaram parando na decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que impediu a realização de reuniões nas comissões da Casa. Motta teria sinalizado a aliados que estava incomodado com o fato de o PL usar o espaço da Câmara para “mandar recados” ao Supremo.
Mesmo assim, o engajamento das bancadas e a organização das estratégias de pressão e defesa dos temas prioritários também passaram a estar no foco das mobilizações da oposição.
Desde a imposição da vigilância eletrônica sobre Bolsonaro, os efeitos em sua base aliada ficaram claros, avalia o estrategista eleitoral Gilmar Arruda. “Com o uso da tornozeleira, aquele grupo mais próximo do Bolsonaro precisou, obrigatoriamente, fazer um aceno ao presidente. Não à toa, vimos uma caravana de políticos do Brasil inteiro indo para Brasília. A polarização vai aumentar. E com isso, quem está em cima do muro será forçado a escolher um lado” disse o estrategista.
Aliados apostam na indignação e reação popular com prisão de Bolsonaro
“O que se vê é o aflorar de um sentimento de injustiça generalizado, que rompe até mesmo as barreiras ideológicas”, afirmou o deputado Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição.
“Cada novo ataque, cada nova arbitrariedade, cada tentativa de calar sua voz apenas reforça a indignação popular e amplia o seu apoio — inclusive por parte de setores que até pouco tempo se mantinham neutros ou em silêncio”, completou Zucco.
Com essas premissas em mente, uma comissão de mobilização nacional da oposição foi criada pelo PL em meio ao recesso parlamentar. A estratégia culminou nas manifestações realizadas por todo o Brasil no último domingo (3). Os atos reuniram multidões nas capitais e em diversas cidades do interior do país, mesmo sem a presença de Bolsonaro.
No final do maior ato do domingo, realizado na Avenida Paulista, em São Paulo, uma nova mobilização foi iniciada. O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) e o idealizador do evento pastor Silas Malafaia convocaram um novo ato para o dia 7 de setembro. “Avisa lá que aqui não acabou. A próxima vai ser no dia da independência. Um grito à liberdade. Brasil nas ruas e o povo no poder”, disse Nikolas em seu discurso.
“Não vamos parar de lutar. Seremos as vozes de Bolsonaro que ecoarão nas ruas, defendendo a liberdade de falar, pensar e agir. Esse movimento é o início de algo gigante em favor do Brasil”, afirmou o deputado federal Zé Trovão (PL-SC), que é um dos coordenadores da comissão de mobilização formada pela oposição.
Na avaliação de Zucco, as reações populares são naturais diante da ruptura do equilíbrio institucional. “Não por incitação, mas por instinto democrático. Porque o povo sabe reconhecer quando a justiça deixa de ser instrumento de equilíbrio e passa a ser ferramenta de perseguição. Seguimos firmes, vigilantes e preparados para defender a democracia. E reiteramos: ninguém está acima da Constituição. Nem mesmo os que vestem toga”, disse Zucco.
O deputado Dr. Luiz Ovando também vê nas reações populares um reflexo do senso de justiça coletivo. “Vai haver um levante interior, com grande comprometimento da liderança já frágil do presidente Lula. A população vai se manifestar das formas mais variadas possíveis”, alertou. “A grande verdade é que o poder emana do povo. Quando esse poder é ferido, ele se renova, se fortalece e encontra voz”, disse Ovando em entrevista à Gazeta do Povo.
Deixe um comentário