A oposição no Congresso articula uma ofensiva política e legislativa após as denúncias feitas pelo ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Mike Benz, sobre suposta interferência estrangeira nas eleições brasileiras de 2022. Parlamentares de direita defendem a criação de uma Comissão parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os repasses da Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA (USAID) e pressionam pela votação do PL 1659/24, que proíbe o financiamento externo a ONGs que atuam no país.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), Filipe Barros (PL-PR), afirmou que as denúncias apresentadas por Mike Benz são “contundentes e gravíssimas” e merecem ser investigadas.
Benz comprovou que milhões de dólares foram injetados no Brasil entre 2019 e 2022, via USAID e outros mecanismos, para financiar ONGs. Disse também que o dinheiro teria sido usado em iniciativas de checagem e programas de combate à desinformação que teriam sido usados para impactar o processo político, mas não apresentou provas de como o dinheiro foi usado e para quais organizações foi enviado.
“Tivemos a oportunidade de, pela primeira vez desde as eleições de 2022, testemunhar ao longo de horas uma exposição detalhada sobre os tentáculos do Partido Democrata de Joe Biden no pleito que deu a vitória a Lula”, disse.
Barros ainda ressaltou que “causa estranhamento que poucos veículos de imprensa – com exceção louvável à Gazeta do Povo e alguns mais – tenham dado a devida atenção a um caso tão gritante que aponta interferência na nossa democracia.”
Sobre a instalação de uma CPMI para investigar os recursos da USAID e de outras agências no Brasil, Barros destacou que a base já existe, mas a articulação política será decisiva:
“A abertura de uma CPMI exige articulação para ter na comissão nomes que realmente queiram investigar o caso e, claro, material concreto para apurar os fatos. Já temos de sobra esse segundo elemento e tenho trabalhado para que, além de assinaturas, consigamos um time de parlamentares dispostos a ir a fundo nessa diligência.”
Barros é autor do PL 1659/24, relatado por André Fernandes (PL-CE) e já pronto para votação na CREDN. O texto busca blindar as eleições e o ambiente político nacional contra o financiamento estrangeiro de ONGs, exigindo rastreabilidade dos recursos e impondo vedações a entidades que atuem com dinheiro externo. Ele declarou que dará prioridade à votação do projeto.
“Penso que, a partir de sua aprovação na CREDN, traremos o tema para o centro do debate público, inclusive alertando o Congresso para quem sabe consolidarmos um arcabouço jurídico quanto a essa questão hoje desprezada por muitos.”
Mike Benz denuncia aumento de repasses estrangeiros no período Bolsonaro
Em audiência na CREDN, no último dia 6 de agosto, Benz apresentou documentos e estatísticas retirados do site foreignassistance.gov, portal público do governo dos EUA que registra a destinação de recursos internacionais.
Segundo ele, houve uma duplicação dos repasses da USAID ao Brasil em 2019, quando Jair Bolsonaro assumiu a presidência, atingindo US$ 68 milhões. Nos anos seguintes, os aportes chegaram a US$ 87 milhões em meados do mandato, quase três vezes mais que o volume histórico. Após o fim do governo Bolsonaro, os valores teriam retornado a patamares considerados normais.
“Não é que o governo americano acreditasse que, quando Bolsonaro ganhou a eleição, o Brasil precisava de três vezes o volume de ajuda. O que foi feito é que três vezes o volume de recursos foram gastos para desenvolver ativos que seriam usados para atacar o governo”, afirmou Benz.
O ex-funcionário também citou que, ainda em 2022, a estratégia integrada do Departamento de Estado para o Brasil destacava o combate à “desinformação” como prioridade, prevendo recursos e treinamentos para capacitar entidades nacionais nesse campo.
O aumento nos repasses ao Brasil no período apontado por Mike Benz pode ser confirmado pelos dados oficiais do portal ForeignAssistance.gov, do governo dos Estados Unidos. Em 2018, ano anterior à posse de Jair Bolsonaro, os valores destinados ao país somaram cerca de US$ 31,9 milhões. Já em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o montante mais que dobrou, chegando a US$ 68,8 milhões.
Nos anos seguintes, os repasses continuaram elevados, com o pico registrado em US$ 87,3 milhões no meio do mandato. Antes de 2018, nenhum ano havia superado os US$ 46,1 milhões em aportes. Após o fim do governo Bolsonaro, os valores voltaram a níveis mais baixos, próximos à média histórica, que entre 2000 e 2017 variou entre US$ 20 milhões e US$ 40 milhões.
Esses números constam em uma base pública do Departamento de Estado americano e da USAID utilizada para acompanhar os gastos de assistência externa dos EUA. O ponto de divergência está na interpretação: enquanto Benz afirma que os recursos foram usados para “atacar Bolsonaro” e influenciar o cenário político brasileiro, críticos sustentam que os dados correspondem a programas regulares de cooperação, em áreas como meio ambiente e sociedade civil, sem relação direta com o processo eleitoral.
As denúncias repercutiram imediatamente entre deputados da oposição. Para Marcel van Hattem (Novo-RS), “a narrativa de golpe já estava prevista antes da eleição”. Ele classificou o episódio como um “golpe conduzido pelo PT com o apoio do governo Biden” e acusou o Supremo Tribunal Federal de ter atuado em conluio com as ações de censura.
VEJA TAMBÉM:
Linha do tempo dos repasses dos EUA ao Brasil (2000–2023)
- 2000–2017: os aportes anuais dos EUA ao Brasil se mantiveram relativamente estáveis, girando em torno de US$ 20 milhões a US$ 40 milhões, sem ultrapassar o teto histórico de US$ 46,1 milhões.
- 2018 (ano eleitoral): os valores somaram US$ 31,9 milhões, em linha com a média histórica.
- 2019 (início do governo Bolsonaro): houve uma forte alta, com os repasses mais que dobrando para US$ 68,8 milhões.
- 2020–2021: os recursos permaneceram em patamares elevados, na casa dos US$ 70 milhões anuais.
- 2021–2022: o ponto máximo foi registrado, com US$ 87,3 milhões, o maior valor da série histórica.
- 2023 (após o governo Bolsonaro): os aportes caíram novamente, retornando a níveis próximos à média de US$ 30 milhões a US$ 40 milhões por ano.
Boulos chama Benz de “mentiroso” e Bragança vê ingerência internacional
Na base governista, a reação veio do deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP), que acusou Benz de mentir e de alimentar uma narrativa pró-Bolsonaro.
“Primeiro, o tal do Mike Benz, longe de ser alguém imparcial, é uma figura notória da extrema direita dos Estados Unidos, inclusive com histórico de discurso neonazista. Segundo, esse Mike Benz não apresentou absolutamente nenhuma prova, só mentira requentada que, aliás, já tinha sido desmentida por várias agências de checagem. E terceiro, o convênio que ele diz que foi feito com o governo dos EUA para a entidade atuar na Amazônia, sabe quem assinou? Jair Bolsonaro quando era presidente, junto com Donald Trump”, disse em vídeo.
Boulos ironizou a audiência, classificando-a como “espetáculo bolsonarista” e concluiu: “Nada de novo no front: a extrema direita inventando mentira para confundir e salvar Bolsonaro da cadeia, mas não vai dar certo não.”
O deputado Luiz Phillipe de Orleans e Bragança (PL-SP) afirmou que as denúncias são “gravíssimas” e expõem uma ingerência internacional no país.
“Ele escancara uma estrutura internacional de influência que atua dentro do Brasil com respaldo institucional, recursos públicos estrangeiros e total falta de transparência. Quando uma potência estrangeira injeta dinheiro em ONGs para moldar política doméstica, isso não é cooperação, é interferência.”
Sobre a proposta de abertura de uma CPMI para investigar os recursos da USAID e de outras agências no Brasil, o parlamentar disse que a iniciativa da direita já existe, mas enfrenta resistência.
“A direita já se mobilizou pela CPMI, mas falta o apoio do Centrão para alcançarmos as assinaturas necessárias. O requerimento está pronto, as denúncias são gravíssimas, mas sem pressão popular e articulação interna o tema segue travado.”
Ele também defendeu que o Congresso avance em medidas mais duras para evitar novos episódios. “É um primeiro passo. Mas não é suficiente. Precisamos de rastreabilidade total dos recursos de organizações do terceiro setor, vedação de atuação política por entidades financiadas de fora e mecanismos de responsabilização penal para quem facilitar esse tipo de interferência nas eleições e nas instituições brasileiras. Soberania se defende com leis, fiscalização e coragem política.”
Com a denúncia internacional ganhando visibilidade, a oposição promete intensificar a pressão por uma investigação no Congresso, enquanto governistas tratam o episódio como mais uma narrativa política da direita. O embate deve alimentar a disputa sobre influência estrangeira, soberania nacional e liberdade de expressão no Brasil, com efeitos que podem ecoar nas eleições de 2026.
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