Diante de dezenas de milhares de manifestantes que lotaram boa parte da Avenida Paulista neste Sete de Setembro, em ato pela anistia dos réus do 8 de janeiro e pelo impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), fez o firme discurso contra “os abusos da ditadura de toga”.
“O que disse traduz o sentimento da população”, justificou Tarcísio. Sua fala consolidou um novo e incisivo posicionamento sobre a anistia, maior pauta da direita, que tem ganhado apoio do centro até antes do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Primeira Turma do STF, iniciado na semana passada. O veredicto pela suposta trama golpista para o ex-mandatário é esperado para sexta-feira (12).
Alguns analistas procuraram explorar prejuízos a Tarcísio por ter subido o tom contra o STF, com eventual perda de interlocução com magistrados da Corte. Mas a maioria entende que a sua cobrança pela votação da anistia e a sua crítica contra Moraes refletem uma tomada de decisão política diante da crise que mobiliza Congresso, ruas e até o governo dos Estados Unidos.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliados e até ministros do STF reagiram de imediato. “Não há ditadura da toga, tampouco ministros tiranos”, protestou o ministro Gilmar Mendes, do STF. A questão também foi comentada pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. O magistrado afirmou que, ao contrário da ditadura marcada pela falta de transparência, os julgamentos atuais ocorrem de forma pública e “refletem a realidade”, ainda que a imagem desagrade a alguns.
Já o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), afirmou que Tarcísio fez um “ataque frontal ao STF, que pode configurar coação no curso do processo”. Além deles, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia dito: “caiu a máscara” do governador.
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Juízes do STF ausentes em cerimônia com Lula enquanto Tarcísio critica Moraes
Com o lema “Reaja Brasil: o medo acabou”, o ato organizado pelo pastor Silas Malafaia focou na anistia e nas críticas a Moraes, pautas apoiadas por Tarcísio inteiramente. Interrompido no discurso com gritos do público de “fora, Moraes”, o governador respondeu: “Ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes”, deixando claro seu alvo principal.
O governador contestou as provas contra Bolsonaro, chamou de “mentirosa” a delação de Mauro Cid sobre o 8 de janeiro e defendeu anistia irrestrita. Ele cobrou do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a votação imediata da pauta e disse que Bolsonaro “é o único candidato de 2026”. Encerrou avisando: “Não vamos aceitar a ditadura de um poder sobre o outro, nem que um ditador paute o que devemos fazer”.
Mais cedo, em Brasília, chamou atenção a ausência de ministros do STF no palanque do desfile militar e na cerimônia oficial do 7 de Setembro, ao lado do presidente da República, apesar de convidados. O gesto, considerado raro, foi lido como sinal de independência do Judiciário ou escolha calculada para evitar novas tensões institucionais.
A solenidade, que teve como mote a defesa da soberania, contou com ministros de Estado, autoridades militares e representantes do Legislativo, como o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), estava ausente. Tradicionalmente, ministros do STF marcam presença, como no ano passado, quando Moraes, Barroso e Edson Fachin participaram, o que reforça o caráter excepcional da ausência coletiva neste ano.
Especialistas veem STF enfraquecido e Lula ameaçado pelo Congresso
O professor de Ciência Política Adriano Cerqueira, do Ibmec-BH, avalia que Tarcísio se firmou como candidato natural da aliança entre direita e centro-direita em 2026, sem pressa para oficializar. No ato da Paulista, sob a emoção de discursos de Michelle Bolsonaro e Silas Malafaia, deu nova prova de lealdade com crítica ao STF e proximidade ao eleitor fiel de Bolsonaro.
Segundo Cerqueira, a postura de Tarcísio ainda expôs o enfraquecimento do governo e da Suprema Corte, enquanto a anistia ganha força no Congresso e o acordo entre PL e Centrão se consolida.
O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, avisou que quem aposta no racha no campo conservador “pode tirar o cavalo da chuva”. “Vamos tirar a esquerda do poder”, promete.
Para Leonardo Barreto, da Think Policy, o 7 de Setembro serviu à guinada de Tarcísio, que deixou de vez a imagem de moderado ao chamar Moraes de “ditador”, ocupando o posto de sucessor de Bolsonaro como líder da direita e da luta pela anistia. O especialista vê o Centrão jogar com o risco dessa iniciativa ser barrada pelo STF para desgastar Lula e parar votações cruciais no Congresso.
“Nesse cálculo, a pauta da anistia serve para unir direita e centro-direita, resgatando a retórica antissistema de 2018. O Centrão, sem lealdades fixas, vê vantagem em inflamar o conflito sem crer na volta de Bolsonaro às urnas. Já Lula, ao radicalizar medidas populistas, instiga reações fortes da oposição, expõe dilemas institucionais e define rumos da disputa de 2026”, avaliou.
Davi Alcolumbre e STF ainda são as maiores barreiras contra a anistia geral
Nas redes sociais e nos palanques dos atos de 7 de Setembro, políticos conservadores reforçaram a pauta da anistia e ataques ao STF. Em Copacabana, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que a Corte deve “entregar a cabeça de Alexandre de Moraes na bandeja” e disse que a anistia deve incluir o seu pai. O deputado Mario Frias (PL-SP) declarou que “[Jair] Bolsonaro não cometeu crime. Eleição sem Bolsonaro é golpe”. Já a colega Bia Kicis (PL-DF) afirmou: “Somos a voz do Bolsonaro. Somos o exército da liberdade e justiça”.
Na Avenida Paulista, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), acusou Moraes de violar direitos humanos e anunciou 41 assinaturas para impeachment no Senado, pedindo seu afastamento imediato. Em Goiânia, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) defendeu anistia “total, ampla e irrestrita”, com falas também em inglês.
O diretor-geral do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Arruda, lembra que a anistia ampla defendida pelo PL, que inclui Bolsonaro, ainda encontra forte resistência, sobretudo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e de ministros do STF. “Enquanto Alcolumbre busca versão restrita a réus do 8 de janeiro, o PT promete levar tudo ao crivo do tribunal”, disse.
O governo adota cautela, temendo novos choques com o Legislativo, com o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), avisando que Lula vetará uma aprovação. “O impasse é teste de forças: direita quer o perdão amplo, Alcolumbre e Centrão defendem limites, e STF e governo acompanham tudo atentos. O desfecho mudará o equilíbrio entre os poderes”, avaliou Arruda.
Bandeira dos EUA reforça elo com Casa Branca e reforça discurso de Lula
Fortalecida pela adesão popular, a oposição insiste na anistia “ampla, geral e irrestrita”. Já os governistas e a esquerda, que tentaram mobilizar bases no 7 de Setembro, mas ficaram longe do nível de engajamento da direita, seguem explorando o discurso patriótico, amparado nas reações do governo do presidente americano Donald Trump contra o julgamento de Bolsonaro. Manifestantes da direita, contudo, fizeram questão de mostrar elo com a Casa Branca, em mensagens direcionadas ao exterior.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) afirmou no X que a bandeira gigante dos EUA estendida em frente ao Museu de Arte Moderna (Masp), durante o ato em São Paulo, foi um agradecimento a Donald Trump. Em inglês, disse que o gesto ocorreu em defesa da liberdade e contra Alexandre de Moraes, reforçando no Instagram cartazes de apoio ao presidente americano.
Eduardo marcou o perfil de Trump e compartilhou mensagem de Jason Miller, ex-estrategista da Casa Branca, destacando o “amor” do Brasil pelo presidente dos EUA. Miller atacou o STF, chamando-o de “cabeça de cobra”, e publicou foto de um “Espetinho do Donald Trump”, divulgado com a faixa “Sabor de Magnitsky”, em referência à lei americana de sanções.
Do outro lado, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que “exaltamos a bandeira do Brasil”, em comparação postada em suas redes sociais.
A imprensa internacional destacou a mobilização dos eleitores e dos aliados de Bolsonaro, que promoveram atos em 25 capitais e no Distrito Federal. O jornal americano The New York Times destacou a profusão de símbolos dos EUA nos atos, mencionando a bandeira gigante na Avenida Paulista, camisetas com a imagem de Trump no Rio e máscaras com o seu rosto usadas por manifestantes em Brasília.
Mas o organizador do ato, pastor Silas Malafaia, criticou a presença de símbolos americanos, que afirmou não querer ver nos próximos eventos.
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